Elas nunca haviam celebrado qualquer comadrio. Foram de igreja na juventude, mas não eram mais quando se conheceram. Contudo, eram madrinhas, sim, dos filhos uma da outra, sempre curiosas, querendo saber das novas conquistas dos rebentos, conselheiras, guardiãs. E foram vivendo juntas ao longo de décadas. Uns longos dias, ficavam completamente juntas, tecendo a trama das novidades. E também cruzar uns fios dos dias atuais, para dar-lhes sentido. Umas longas semanas e meses, nem se ligavam, apesar do celular, da internet. Parece que era o tempo necessário para se lançar um olhar amplo e transparente sobre a teia do vivido. E perguntar o que significaria tal emaranhado de fatos e opiniões.
Uma impunha à outra seus longos
períodos de reclusão, mergulhadas em seus abismos mentais,
baratinadas, lacrimosas, como os que têm saudades de galos, noites e quintais. Ou iam a cachoeiras, faziam hidroginástica,
dirigiam de um lado para outro sem sequer olhar a estrada, cabeleiras balançando e conversando como se não houvesse faixas
amarelas na pista.
Falavam discretamente de
suas dúvidas amorosas. Ficar ou não ficar. Eis a questão. E pesa daqui, pesa de
lá, os prós e os contras, mas essa conta nunca fecha. Uns tempos ficam, outros
não ficam, abandonam, voltam, têm saudade, namoram outros e outras, fazem
mesquinharia, sabe, inveja mesmo uma na outra: eu tenho, você não tem.
Um dia elas resolveram se
experimentar nos toques corporais. Para quê? Séculos e séculos de divórcio
completo. Mas aqui e ali um recadinho deixado na nuvem. Uma foto, uma
curtida, um comentário... Assim não morre o comadrio.
Um dia, elas estão na cama de
casal de uma, que conversa com o mundo num dispositivo móvel. A outra faz
crochê para parar o pensamento e, de repente, diz à companheira de cobertor
quentinho: somos comadres! E desata num riso desatinado, longos minutos. É
instantâneo. As duas começam a brincar de comadres. Rola até uma fofoquinha. Mas tudo por amar àqueles, e mais
àquelas, sobre quem se fofoca.
Uma guarda a panela de barro da
outra. A outra pede emprestadas peças da indumentária da comadre, pois não pode suportar a
existência sem sua beleza. Uma, quando as duas resolvem viajar juntas,
fica longas horas escolhendo as músicas que possam soar toda a trilha da
viagem. E uma mensagem perpassa as longas horas harmoniosas de som. Não se
precisa falar. É só olhar e ouvir. A outra se permite folga... e deixar o
pensamento viajar a plagas só de sua alma, contando com alguém que compreende
seu silêncio.
Uma não quer tirar os pés do chão
nem para ir ao supermercado. A outra liga, manda torpedo, mensagem inbox: vamos
ao churrasquinho, ao mercado central, ao cinema, tem uma peça de
teatro do caralho. Mas a comadre mais grave, dada a monja, só ouve o que vai
haver nas ondas do rádio.
Uma descasou pra nunca mais. A
outra é casadoira. Uma rouba as idéias da outra... Não é por mal. É
porque, se uma tem a ideia, mas não pode fazê-la criar pernas na Terra, a outra
pode. E essa mesma puxa
a outra para a horta, as plantas, os bichos, as gentes, as comidas, os tricôs,
os crochês, os shows.
Comadres modernas. Há tradições que não podem morrer. Embora nem pareçam tradições.
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