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Emprego ou trabalho

Written By Ana Claudia Gomes on quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018 | 17:56


'Ses dias ouvi a Voz do Brasil. Isto é, de seus poderes instituídos na esfera estatal. Era trânsito, abri a guarda e ouvi notícias nesse mundo dos assuntos produzidos e de tudo submetido à imagem. É muito interessante pensar sobre o conjunto, sobre a ordem das mensagens, sobre os slogans. Mas é muito assunto para uma só rodada de boteco.
Preferi pensar sobre o aumento do desemprego no Brasil de mais de doze para mais de quatorze por cento.
O desemprego não é um efeito incidental da crise nacional, apenas. É estrutural nas sociedades de mercado, cuja lógica de redução dos custos e maximização dos ganhos é pilar inescapável.
A Europa amarga índices muito piores, mas lá a riqueza expropriada e acumulada durante séculos tem garantido, a pernas bambas, providência para os cidadãos. E tem os não-cidadãos. Os egressos de antigas colônias na África, na Ásia, nas Américas, por exemplo.
O Brasil tem uma dívida histórica com sua população primeiro expropriada pelos colonizadores, depois por sua própria exígua e míope elite. Assim também a latino-américa, sobre a qual devíamos recitar, "soy loco por ti".
É certo que devemos avisar ao nosso povo nas escolas, nas praças, nas ruas, campos, construções, de que empregos com muitas garantias e também muitas restrições estão diminuindo. E como viver é também inelutável, as pessoas estão ingressando no trabalho, com riscos próprios e sem seguridade.
Para quem adultesceu nos tempos do emprego e assegurou o seu, há nuvens de chumbo no céu e a luta não vai muito além do que manter direitos. Para quem já nasceu na emergência do trabalho como assunto de cada um e de sua potência, resta olhar nos olhos da incerteza, através do espelho-negro, e viver.
Os meninos estão declarando não sonhar com profissões, a não ser tentando a sorte no futebol. Acham que estudos avançados são para quem pode pagar. Não se pode transplantar a economia de mercado seca e mumificada a uma população vilipendiada.
Soube que nas alianças entre pretensos não-políticos, ditos administradores, elevados aos píncaros do poder estatal nas últimas eleições, estes últimos declaram oposição a políticas de transferência de renda e a outras poucas conquistas de nossa frágil e extemporânea social-democracia. Os nossos antigos comunistas e socialistas precisam dizer aos seus aliados para o voto que a distribuição de renda é uma questão moral no país. Não se trata de jogar a criança com a água do banho. Primeiro é necessário vencer a fome de interromper, a raiva de interromper, para depois tratar da fome de liberdade.
Eu todo dia tenho a ocasião de ver uma multidão de adolescentes e jovens, há cinco anos. Antes reduzidos a uma pobreza apenas traduzível com a dor e a violência. Agora ostentando suas cabeladas chacheadas, seus batons, seus piercings e skates, apreciando a comida da escola, porque é boa, mas já sem a fome que impele e desumaniza. Inteligentes como quem é cuidado e estimulado. Questionadores como não se pode impedir depois que aprendem direitos. Com a noção de dever prejudicada porque não se pode conferir autoridade a quem não a tem. 
As práticas de corrupção são capilares e não nos poupam nem a nós que as denunciamos. Os meninos vêem, compreendem e agem. Um agir político. Um não.
Mas tantos outros meninos estão submetidos a condições de abandono e violência, ao poder das esferas não-estatais, inclusive a inciativa privada lícita e ilícita. Tendo a juventude negra em extermínio diante de nossos olhos, pergunto-me se  lideranças populares podem  combater cotas e equalização das oportunidades, nesse país onde já no berço as oportunidades são negadas e a submissão ou a transgressão parecem às pessoas as únicas opções. Como materializar a ordem e o progresso? Palavras desgastadas até o pó, apesar da nossa amada bandeira. É preciso saberem os liberalizantes que não estamos de acordo. 
Quero ver meus meninos estudantes em escolas-parque, com cheiro de árvore nas ruas, e outras romantiquices mais. Porque só românticos se voltam contra essas racionalidades másculas, guerreiras e destruidoras. Contra os senhores da guerra que mandam soldados e se reservam o direito do botão ou da caneta.
O papel das antigas esquerdas, muitos dos seus agora encastelados em montanhas de privilégios, é condicionar as alianças à distribuição de renda, instrução, informação, proteção aos expostos a riscos. Lembrar Leonardo Boff: cidadania não é consumo, embora o inclua também. 
Alguém tem de dizer ao administrador que sua cidade cheira mal. Não há ordem e progresso na redução da humanidade, essa nossa utopia.
E para finalizar com a versão de outro veículo de comunicação comprometido com os controladores do nosso Estado, segue mais uma estatística. Enquanto diminui o emprego e as pessoas seguem por si, nem todas convencidas de que Deus quer interferir nos assuntos dos homens, os novos milionários no Brasil parecem que foram trinta mil em dois mil e dezessete.
"O de cima sobe e o de baixo desce". E tem pouca gente disposta a dividir o bolo ainda molinho por dentro, ainda que não dê pra esperar assar.
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