Celebração católicasob a antiga Árvore do Óleo, no bairro Angola, em 1941.
O Brasil tem sido designado como uma grande nação católica. A colonização lusa foi determinante para que o catolicismo fosse a forma de devoção religiosa predominante no Brasil e apenas no século XX essa hegemonia começou a ser ameaçada pelo avanço de outras denominações cristãs e pela maior liberdade na expressão de religiosidades não-cristãs e mesmo não-religiosidades.
Em Betim, por conseguinte, as mais antigas referências à religião se
referem ao catolicismo, até porque outras práticas, por sua marginalização
social, dificilmente teriam deixado registros sistemáticos.
A construção de um templo religioso católico foi o primeiro registro da
existência de uma vida comunitária no arraial surgido nas proximidades da sesmaria do Betim, como era de praxe no período colonial brasileiro. Igreja e Estado
constituíam uma mesma instituição, e assim permaneceram até a primeira
Constituição do Império, em 1824, quando as convicções laicas do imperador D.
Pedro I separaram as duas instituições.
O primeiro templo na região denominou-se Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo, ou Capela Nova
do Betim, e se localizava onde hoje está a Praça Miltom Campos. Este templo
foi construído em 1754, a
pedido dos principais moradores do arraial da Bandeirinha do Paraopeba, provavelmente umas dez famílias mais poderosas que, para receber
assistência espiritual, precisavam dirigir-se ao Curral d’El-Rei, então sede da
freguesia, hoje Belo Horizonte, ou a Santa Quitéria, hoje Esmeraldas. Ali se instalara o mais importante núcleo local de passagem e parada dos bandeirantes e de abastecimento - produção de alimentos e pecuária. Já estava ocupado por volta de 1720.
O local de implantação do templo foi escolhido por ser o mais alto em relação ao arraial da Bandeirinha, no vale do Paraopeba.
O cultivo da religiosidade católica para aqueles
pioneiros não era fácil. Estavam eles na convivência dos aventureiros do ouro,
e os templos eram distantes. Os casamentos e batizados precisavam aguardar a
ocasião das festas; as confissões e sacramentos podiam ser dispensados pelos
capelães mais próximos, que, no caso do arraial da Bandeirinha do Paraopeba,
ficavam a várias léguas de distância. Como não havia cemitérios antes do final
do século XIX, sendo os mortos enterrados nos templos – os senhores no interior
dos mesmos e os escravos e indigentes nos seus adros – os habitantes do
primeiro núcleo de povoação de Betim precisavam viajar um dia para enterrar
seus entes queridos na capela da Boa Viagem do Curral d’El-Rei.
Além disso, os meados do século XVIII foram um
tempo de grande atividade normativa da Igreja Católica. O Brasil era visto como
lugar propício aos desvarios da alma, e eclesiásticos visitadores buscavam
infiéis até mesmo nas pequenas comunas. O concubinato era uma das principais
preocupações dos eclesiásticos e as comunidades adotavam essa prática devido
principalmente às dificuldades e ônus para a realização de casamentos. Assim
construir um templo e manter um capelão nas proximidades era, para as
comunidades, não apenas um ato de fé, como também uma questão de segurança, visto
que o padre local podia proteger seus fiéis da fúria inquisitorial e das
delações.
O padre Antônio Carneiro Leão, provisionado
primeiro capelão, deve ter sido o responsável pela petição ao Bispo de Mariana
para a construção do templo, visto que era necessário conhecer algo das praxes
da Igreja para obter permissão. O referido padre aparece numa lista de
moradores da Bandeirinha do Paraopeba em 1753[1]. A
permanência do capelão em Betim, isto é, sua manutenção, era responsabilidade
dos potentados locais, nesse caso os do arraial da Bandeirinha.
O curato da Capela Nova do Betim ficou pertencendo à paróquia do Curral
d’El-Rei, assim permanecendo até 1851, quando foi, ela mesma, elevada a
paróquia. Por volta de 1811,
a Capela Nova do Betim estava passando por obras de
reedificação. Provavelmente, a primeira capela, de construção precária, não
resistiu muito.
A Capela Nova do Betim teve como padres-cura, entre 1754 e 1851, Antônio
Carneiro Leão, Domingos Ribeiro de Souza Pedreiro, Manoel da Fraga Coelho e
Liberato José Fernandes.
A primeira visita pastoral de que se tem registro na Capela Nova do Betim
aconteceu em 07 de setembro de 1822, o mesmo dia em que D. Pedro
protagonizava a famosa cena da independência, às margens do Riacho Ipiranga.
Nesse dia, Dom Frei José da Santíssima Trindade, Bispo de Mariana, chegava à
Capela Nova do Betim, sendo recebido pelos cerca de 1.600 habitantes do lugar
que tinham à frente o capelão, Padre Manoel da Fraga Coelho.
Das anotações desta visita, chega-nos uma descrição da antiga capela, já
reedificada:
“Tem três altares pobremente ornados, e ornamentos suficientes para o
diário; mas os vasos dos santos óleos são de estanho.
A Capela está toda arruinada, máxime a Capela Mor, e os Aplicados
prometeram consertá-la.
Consta que já fizeram as paredes da Capela Mor de novo”.[2]
Em 1851, a
Capela Nova do Betim tornou-se paróquia. Isso dá uma medida da vitalidade
econômica e da boa articulação política do arraial, pelos seguintes motivos:
manter um curato já era uma situação difícil para diversas comunidades
religiosas porque o padre-cura não recebia da Igreja, nem do Estado, recursos
para sua manutenção ou do templo e seu patrimônio, o que era feito pelos fiéis. O fato da Capela Nova do Betim
ter tido sempre seu padre-cura dá uma medida de sua abastança. Já a elevação a
paróquia tinha fortes conotações políticas porque as eleições locais eram
realizadas nos templos, sob a condução dos párocos. Criar uma nova paróquia
significava abalar os acordos já estabelecidos, entre os mandatários locais e
os sacerdotes.
Não por acaso, a criação da paróquia era objeto de peça legal decretada
pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo Governo Provincial.
Um outro requisito para a elevação de um território a paróquia era contar
com uma população mínima de cinco mil almas. Entretanto, dados de 1842 contam 2.703 pessoas em Capela Nova.
A paróquia da Capela Nova do Betim foi criada pela Lei nº 522 de 23 de
setembro de 1851, sendo instalada apenas em 1855, por motivos ignorados. O
Distrito das Bicas foi, na ocasião da criação da paróquia, desmembrado da
paróquia de Mateus Leme e anexado à de Capela Nova.
O primeiro vigário da Capela Nova do Betim, Manoel Roberto da Silva
Diniz, foi colado a 08 de novembro de 1855. Os seguintes foram Cassimiro
Moreira Barbosa, Domingos Cândido da Silveira, Osório de Oliveira Braga e Rafael
Martins (atualizar com registros da Matriz do Carmo).
Embora não haja registros indubitáveis sobre isso, pode ser que a demora na instalação da paróquia se tenha devido ao fato de que a capela destinada a ser sua sede fosse muito acanhada, sem a dignidade de uma igreja matriz. Por isso, por ocasião da primeira visita pastoral à nova paróquia, em 1856, o missionário capuchinho Frei Francisco Coriolano Otrante propôs uma subscrição de quinhentos réis entre os fiéis, para as “obras e alfaias”[3] da matriz, no que foi plenamente atendido por extensa lista de moradores das diversas localidades que compunham o Distrito.
Embora não haja registros indubitáveis sobre isso, pode ser que a demora na instalação da paróquia se tenha devido ao fato de que a capela destinada a ser sua sede fosse muito acanhada, sem a dignidade de uma igreja matriz. Por isso, por ocasião da primeira visita pastoral à nova paróquia, em 1856, o missionário capuchinho Frei Francisco Coriolano Otrante propôs uma subscrição de quinhentos réis entre os fiéis, para as “obras e alfaias”[3] da matriz, no que foi plenamente atendido por extensa lista de moradores das diversas localidades que compunham o Distrito.
Além dos padres Manoel Roberto da Silva Diniz e Francisco de Paula e
Silva, encarregados de administrar os recursos e as obras, criou-se uma
Sociedade Pia, com o mesmo fim, da qual faziam parte os mais destacados
potentados locais: Capitão Antônio Joaquim Rodrigues, Manoel Franco do Amaral,
Crispiniano José da Costa, Antônio Nogueira Duarte e Cunha, Valentim José Diniz, José Teodoro Silvino,
Francisco Miranda da Silva, Tenente-coronel João Nogueira Duarte (proprietário da Fazenda Serra Negra e chefe local) e Capitão João
Ricardo Varella.
Dois cofres foram disponibilizados para acondicionar as esmolas dos
fiéis: um, com três chaves, em casa do vigário – cada chave ficava com um dos
principais responsáveis pelas obras – e um ao pé da cruz, no largo da matriz,
para as doações ocultas.
O Vigário Manoel Roberto da Silva Diniz faleceu antes de ver terminadas
as obras da matriz, sendo substituído pelo Vigário Cassimiro Moreira Barbosa,
que verificou a falta de recursos para a continuidade das obras.
Em 1861, por ocasião da visita pastoral, à Capela Nova do Betim, do Bispo
de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, este tomou conhecimento do estado das
obras e aceitou uma proposta feita pelo vigário, de utilizar para finalizar a
construção da matriz recursos não-expressamente destinados a isso pelos fiéis –
ofertas ao Cruzeiro e o dinheiro reunido durante 50 anos pela Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário para a construção de sua capela.
O Bispo deu despacho favorável ao Vigário com base na Constituição do
Bispado; esta determinava que o Cruzeiro do qual foram desviadas receitas
recebesse uma base de pedra e que N. Sra. do Rosário recebesse um altar
ataviado e ornamentado na nova matriz, que inaugurou-se em 1867.
As obras da matriz duraram 11 anos e custaram 3 contos de réis, uma
quantia considerada baixa pelo historiador Geraldo Fonseca.[4]
Apesar deste revés – a perda de suas economias – a Irmandade de N. Sra.
do Rosário continuou sua luta pela construção de uma capela. A comunidade de
“devotos pretinhos” de Capela Nova formara uma irmandade bastante pobre[5],
com dificuldades de acesso à igreja da comunidade tradicional (porque havia
intensa discriminação racial) e vinha angariando fundos para a construção de
sua capela. Esse dinheiro ficava sob a responsabilidade do capelão, depois
vigário local. A construção da
igrejinha de N. Sra. do Rosário só se iniciou em 1894, começando a abrigar atos
religiosos em 1897. Foi quase um século de luta pela construção.
As principais manifestações culturais dos remanescentes africanos em
Betim têm como base espacial e lugar-síntese de suas atividades a Capela
dedicada a N. Sra do Rosário, com seu amplo pátio, localizada em terreno alto do
bairro Angola, nas proximidades da Igreja de São Francisco.
Embora sua inauguração só tenha ocorrido em 1897, é um templo com forte
referência à arquitetura colonial e sua construção foi precedida por uma história
de luta de quase um século.
Uma petição encontrada no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro revela que
“os pretos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Arraial do Betim, na
Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral d’El Rei, Bispado de Mariana,
em Minas Gerais ”
pretendiam “continuar a ereção de sua Capela dedicada à mesma Senhora do
Rosário”, pedindo para tanto “licença de Vossa Alteza Real”. O pedido era
assinado pelo procurador da Irmandade, Antônio José da Silva, com data de 28 de
setembro de 1814.
Embora a expressão “continuar a ereção” possa dar a entender que a obra
já tivesse sido iniciada, a ausência de registros sobre qualquer construção
leva à conclusão de que a Irmandade na verdade quisesse apenas “prosseguir na
arrecadação de fundos e donativos para a construção”. E um dos indícios disso é
o testamento de Manoel Antônio de Carvalho, falecido em Betim a 10 de outubro
de 1828 (livro existente na Matriz de Boa Viagem, Belo Horizonte). Era sua
vontade “deixar de esmola para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da Capela
Nova do Betim, que se pretende fazer, trinta mil réis”.
Quarenta e sete anos após a obtenção da licença (1861), o vigário
Cassimiro Moreira Barbosa, em correspondência ao bispo de Mariana, falava na
criação de duas capelinhas – “uma do Rosário e outra do Monte a Santa Helena”.
Havia, sim, uma imagem da santa venerada pelos pretos, mas esta achava-se
entronizada na matriz de Nossa Senhora do Carmo, “igreja dos brancos, dos
senhores, constituindo empecilho às suas preces e oferendas”. Sem recursos para
a obra desejada, a Irmandade acabou desanimando de seu intento por algum tempo.
Somente em 1894 é que se dá início, efetivamente, à edificação da
Capela em honra de Nossa Senhora do Rosário. O livro de Receitas e Despesas (Arquivo
da Arquidiocese de Belo Horizonte) tem sua abertura em 1894, com este
lançamento: “Apontamentos das despesas feitas por conta e ordem do Revmo.
Vigário Domingos Cândido da Silveira, na qualidade de Presidente da Mesa de
Nossa Senhora do Rosário, com o começo do serviço no terreno aonde vai
construir a Igreja da mesma Senhora...”
Cerca de 11 contos de réis haviam sido gastos, na construção, até
dezembro de 1896. E, em fevereiro do ano seguinte, tais despesas chegavam a
doze contos, quatrocentos mil e quinhentos réis, quando a Capela já recebia
vidraçaria e nela se realizavam cultos religiosos.
Não existem mais os livros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário,
onde se pudesse pesquisar mais alguma coisa a respeito da obra. Sabe-se, por
ser fato mais recente, que, com a criação, em Betim, da Paróquia de São
Francisco de Assis, foi a mesma instalada quinze dias depois, ficando a Capela
do Rosário como sua igreja central, até a construção da Matriz, iniciada em
fins de 1974 e inaugurada em 1978.
Em meados do século XX, um lance controverso abalou a história da
principal comunidade católica betinense: a demolição do antigo
prédio da matriz e a construção da atual Matriz de Nossa Senhora do Carmo. A
opinião da comunidade ficou dividida; Padre Osório, liderança religiosa
incontestável naquele momento, adiou a demolição da velha matriz enquanto pôde,
embora tenha se posicionado ao lado dos que defenderam a construção do novo
templo[6].
Teve uma resistência ao empreendimento, em princípio, por causa da dificuldade em angariar
recursos par, visto que a população de Betim estava, à época, bastante empobrecida.
Logo após sua morte, em 1968,
a velha igreja foi demolida (1969). Houve uma rejeição
da antiga arquitetura colonial, em prol do “moderno”, ainda que de gosto
duvidoso. Concorreram para isso os fatos de que o estado de conservação do
antigo templo estava precário e a cidade havia crescido em seus fundos e não adiante da sua fachada, conforme teria esperado Bandeirinha,
contrariando antigas tradições de posicionamento dos templos em relação às
comunidades.
A ideia da construção de uma nova matriz partiu de Francisco Gomes do
Prado, segundo depoimento de Divino Ferreira Braga ao historiador Geraldo
Fonseca.
Em 1957, foi formada uma comissão de líderes locais com o fim de angariar
fundos para a construção da nova matriz. Seu insucesso - apenas conseguiu a
doação de dois lotes por Salvador da Silva Prado – fez com que se elegesse nova
diretoria que, então, fundou a União dos Promovedores das Obras Sociais da
Paróquia de Betim, cuja primeira atribuição seria a construção da matriz.
Dadas as dificuldades para se angariar fundos e o envolvimento
insuficiente da maioria dos membros da diretoria da União, seu presidente,
Divino Ferreira Braga, designou uma comissão de mulheres para reverter o
déficit em que se encontrava o caixa das obras. Participaram desta comissão Sebastiana
Diniz Mattos Cardoso, Djanir Arantes de Aguiar, Aurora Maria da Conceição,
Maria da Conceição Barbosa, Ione Rodrigues Saliba, Luíza Maria da Glória, Ana
Silva e Maria Joaquina da Silva. Foi o que bastou. Entre 1959 e 1963, o novo
templo construiu-se e foi inaugurado, não sem a concorrência de recursos
públicos.
Além das mulheres, destacaram-se nesta arrancada final da construção da
matriz o Lion’s Club de Betim, Manoel Aguiar, Francisco Gomes do Prado, Álvaro
de Sales Barbosa e os padres Rafael Martins e Paulo Fernandes.
O catolicismo foi a forma imperante de religiosidade em Betim em seus
primeiros séculos, praticamente inexistindo registros quanto a outras formas
religiosas antes do século XX. É evidente que formas variantes coexistiram,
como é o caso do sincretismo afro-brasileiro documentado na existência da
irmandade de N. Sra. do Rosário desde inícios do século XIX.
Dois padres betinenses se destacaram por sua liderança comunitária e pelo
intenso exercício do poder político local: Domingos Cândido da Silveira, que
atuou em finais do século XIX e início do XX e Osório de Oliveira Braga, que
destacou-se principalmente nos anos 30 do século XX. Domingos Cândido da
Silveira tinha pretensões político-institucionais e, em 1901, decidiu recuar
tanto em sua liderança política quanto na religiosa por não ter conseguido que
Capela Nova se tornasse sede do município criado naquela ocasião (a sede foi
Santa Quitéria) e por não ter sido prestigiado pela comunidade capelanovense na
eleição para a nova Câmara.
Padre Osório tornou-se um ícone da vida local. Suas posições políticas
eram incisivas, o que o tornou opositor e perseguido pelo regime de Getúlio
Vargas, que se endureceu a partir de 1937.
Consta que partiu de Osório Braga uma grande manifestação da comunidade
capelanovense pró-emancipação da localidade, no dia da festa da padroeira, no
próprio ano de 1937. Estava prevista a passagem de Benedito Valadares pela
cidade; o padre mobilizou a comunidade para posicionar-se às margens da estrada
e realizou a manifestação. Isso não é tido como fator determinante da
emancipação do município mas não deixa de ser um indício da preeminência do
padre.
Padre Osório era natural de Betim. Depois de ordenado, foi vereador,
líder partidário e inspetor escolar. Não apenas passou por vicissitudes
políticas como perseguiu seus adversários. Foi uma espécie de extensão do
fenômeno de indistinção entre a Igreja e o Estado. Seu vicariato durou 77 anos,
tendo morrido em 1968.
Suas posições religiosas podem ser caracterizadas como conservadoras,
dado o registro de que, mesmo depois de abolidas estas práticas pelo Vaticano,
continuava rezando missas em latim e de costas para o público.
Depois da Matriz e da Igreja do Rosário, as próximas comunidades
religiosas católicas foram a Paróquia de Santa Isabel, criada em 1936, e a
Paróquia de São Francisco de Assis, criada em 1968.
No final dos anos 60, estavam ligadas à matriz as capelas do Bairro Santa
Cruz, do Bairro Bandeirinhas e do Bairro Charneca.
Paróquia de Santa Isabel
A história da Paróquia de Santa Isabel confunde-se
com a própria fundação da Colônia. Poucos anos após a chegada dos primeiros
portadores de hanseníase, Frei Pacômio, franciscano holandês, começou a
celebrar missas no prédio que hoje abriga a sede do Minas Esporte Clube, e que
na época abrigava uma pensão da Caixa Beneficente onde se serviam refeições. O
Frei celebrava missas todos os dias, tocando antes uma sineta para chamar os
fiéis.
Antes da chegada de Frei Pacômio, as Irmãs do Monte Calvário, presentes
na Colônia desde 1931, já ofereciam assistência espiritual aos internos e
lutavam pela vinda de um padre.
O primeiro templo local foi construído pela administração da Colônia,
aproveitando-se os alicerces da casa-grande da Fazenda do Mota, e a paróquia
propriamente dita foi instalada em 1936, sendo a segunda mais antiga no
território hoje betinense (na época da fundação da paróquia, Betim ainda não
era município e seu território pertencia à atual Esmeraldas).
Após Frei Pacômio, diversos franciscanos têm atuado na Paróquia de Santa
Isabel, sendo os principais: Frei Grisógono Van Wen, Frei Geraldo Van Sanbek,
Frei Hilário, Frei Simeão, Frei Rogato Rogmar, Frei Helano, Frei Edgar Groot,
Frei Diogo Resing, Frei Francisco Duarte Júnior, Frei João Maria, Frei José
Roberto Garcia Lima e Frei Heron Batista Beirigo.
Outros dois freis se destacaram na vida religiosa da Colônia: Frei
Francisco Van Del Poel, que atuou como auxiliar de três párocos e trabalhou a
consciência social dos fiéis, além de dirigir o Coral Tangarás de Santa Isabel,
e Frei Francisco Prik, portador de hanseníase, cuja atuação religiosa durante
dez anos foi marcante para os fiéis locais, por sua experiência com a doença.
Na década de 60, Frei Edgar Groot liderou a ampliação do templo, ele
mesmo enchendo e conduzindo carrinhos de areia e contando com a ajuda da
comunidade.
Hoje, a Paróquia de Santa Isabel conta com cerca de 15 comunidades, sendo
a principal São Judas Tadeu, em Citrolândia. Suas principais festas são a de
Santa Isabel, em 17 de Novembro, o Natal, a Semana Santa e as festas de São
Judas Tadeu e Nossa Senhora das Graças.
Paróquia de São Francisco de Assis
A paróquia de São Francisco de Assis em Betim foi criada por Decreto
Episcopal de nº 259 de 15 de março de 1968, tendo sido instalada 15 dias depois
na Capela de N. Sra. do Rosário. Esta capela, até então ligada à matriz do
Carmo, passou então à nova paróquia. O primeiro vigário de São Francisco em
Betim foi frei Xisto de Bruijin (Hendrikus de Bruijin), holandês, que
permaneceu no vicariato até 1971, quando foi substituído por Frei Luciano Brod.
A paróquia de São Francisco abrangia, no momento de sua criação, toda a
metade noroeste do município. Sua matriz foi construída entre 1974 e 1976.
A origem dessa paróquia esteve ligada à instalação, em 1962, da Casa de
Formação de Estudantes Franciscanos, uma espécie de pré-seminário que recebia
adolescentes em formação para o Seminário e que transformou-se em Noviciado em 1965. A partir daí, a casa
teve outras funções para a Ordem Franciscana: Clericato, com estudos em
Filosofia e Teologia desde 1968, depois novamente Noviciado, a partir de 1973.
Desde 1967, é conhecida como Convento Santa Maria dos Anjos e, a partir dos
anos 2000, como Centro Franciscano de Espiritualidade, onde se realizam
encontros religiosos e retiros espirituais. Seu prédio foi construído em 1961,
à Av. Gabriel Passos, 178, Centro. É também residência de freis e estudantes
que atuam em atividades sociais e educacionais.
Desde a chegada dos franciscanos a Betim, no início dos anos 60, muitos
católicos locais passaram a se agregar em torno deles e, antes mesmo da criação
da paróquia, Frei Xisto de Bruijin os pastoreava na capela do Rosário. Já neste
primeiro momento, os franciscanos iniciaram um trabalho social em Betim, sendo
o Salão do Encontro[7] o mais
conhecido fruto dos primeiros trabalhos. Estiveram ligados à fundação do Salão
que, aliás, surgiu nas imediações de uma capela assistida pelos franciscanos,
os freis Estanislau Bartholdy, Xisto de Bruijin e Pedro Paulo Chiaretti
(diretor do Centro Franciscano de Espiritualidade me 2003).
Além de Frei Xisto, figuram entre os fundadores da paróquia os freis
Edmar Polman, Alexandre Noordeloos, Serafim Lunter (este, muito querido, viveu
sua velhice no Convento Santa Maria dos Anjos, onde esteve cercado pela
comunidade e, ao falecer, foi sepultado em Betim após mobilização dos
paroquianos) e João José Slot.
Nos anos 70, além de envolvidos no trabalho social e na construção de sua
matriz, os franciscanos atuaram também na formação de segmentos críticos na
sociedade betinense. Nos contextos nacional da ditadura militar e local da
repartição do poder entre dois grandes líderes políticos, Newton Amaral e
Osvaldo Franco, os franciscanos constituíam duras vozes, logo taxadas de
comunistas...
A atuação política dos franciscanos evidenciou-se principalmente no final
da década de 70 e durante a década de 80, quando também emergiram as maiores
lideranças de esquerda em Betim, não por acaso ligadas à paróquia de São
Francisco.
Por volta de 1979, os franciscanos radicados em Betim avaliaram que o
município reunia características, por sua eminente industrialização, para
constituir uma pastoral operária. Propuseram tal coisa à Arquidiocese de Belo
Horizonte e, aprovados em sua petição, assumiram a paróquia de N. Sra. do
Carmo. O número de frades franciscanos que ocupavam a liderança das atividades
eclesiásticas subiu de três para cinco, vindo para Betim, neste momento, os
Freis Félix Neefjes, Antônio do Prado e Cristóvão Pereira. Este último teve
grande preeminência na vida local, por seu radicalismo de esquerda; criticava
publicamente o então Prefeito Osvaldo Franco, levou essa polêmica até aos
veículos de comunicação e recebeu, na cidade, a alcunha de Frei Capeta.
Juntamente com Cristóvão Pereira, outros freis atiçaram, neste período, a
fúria dos setores políticos mais conservadores de Betim: Eduardo Médici, João
José Slot, Eduardo Metz e Eliseu Tijdink. Frei Patrício Moura Fonseca, então
líder do provincialado, conta que recebeu representantes de uma família proprietária
de Betim, os Souza Lima, os quais solicitavam que os “freis comunistas” fossem
retirados de Betim, visto que apoiavam diversos movimentos sociais na cidade,
inclusive ocupação das terras da família na região do Açude.
A união entre o Carmo e São Francisco durou cerca de meia década. Os
franciscanos, talvez pelo perfil social dos paroquianos do Carmo, devolveram
esta paróquia à arquidiocese e preferiram assumir a atribuição de fundar novas
paróquias e pontos de religiosidade católica em Betim. Participaram ,
aliás, da fundação das paróquias de Nossa Senhora Aparecida (Filadélfia), Nossa
Senhora da Conceição (PTB), São João Bosco (Alterosas), São Judas Tadeu (Bueno
Franco), Maria Mãe dos Pobres (Teresópolis) e São Cristóvão (Imbiruçu).
O trabalho social dos franciscanos teve continuidade, após o afastamento
em relação ao Salão do Encontro, através das pastorais da Criança (1988), da
Saúde (1996) e Carcerária (desativada há quatro anos). Assim como os núcleos da
esquerda em Betim se reuniam no salão do templo de São Francisco nos anos 70 e
80, hoje funciona também na paróquia o Escritório dos Direitos Humanos,
entidade da sociedade civil polêmica, hoje sem apoio do poder público. Nos
últimos dois anos, a paróquia criou e mantém a APSAFRA (Associação dos Prestadores
de Serviços Autônomos da Paróquia de São Francisco), que promove a aprendizagem
de trabalhos manuais e mantém farmácia comunitária.
O atual Centro de Triagem, mantido pela PMB como local de apoio para
pessoas carentes, começou pela atuação dos franciscanos, na pessoa de Frei
Pedro de Assis. Também a Creche Frei Luiz, hoje conveniada à APROMIV, que lhe
repassa verbas, foi fundada pelo Frei Luiz Aguiar, franciscano mais moderado
que, juntamente com Frei Luciano Brod, Frei Mário Rodrigues dos Reis, Frei
Elias Hooij e Frei Patrício Moura Fonseca, fizeram a história mais recente da
paróquia, de maior conciliação.
Setores mais tradicionais de Betim têm participado da vida religiosa na
paróquia, inclusive o atual prefeito, Carlaile de Jesus Pedrosa, e sua família.
Estes grupos sofreram seus reveses, especialmente no período mais inflamado da
atuação dos freis, e têm agora acolhimento na paróquia com o mesmo status
dos grupos de esquerda.
Frei Patrício diz que os franciscanos deixaram de usar o púlpito como
tribuna mas não perderam seu veio crítico. E conta uma recente conversa com
Carlaile, na casa paroquial, onde é sempre visitado, em que discutiu com o
prefeito ações violentas promovidas pela Prefeitura, de “despejo” de ocupantes
de certas áreas na região norte de Betim. Segundo o Frei, a receptividade do
Prefeito foi imediata, através de ligação ao chefe do setor responsável.
A Paróquia de São Francisco cresceu na medida do crescimento populacional
em Betim. Em
2002, pertenciam à paróquia 15 capelas e 5 pontos de missa. Tal configuração
justificou a criação de duas novas paróquias na região, a do Sagrado Coração de
Jesus (bairro Sagrado Coração) e a de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (bairro
Bom Retiro). A paróquia de São Francisco e cada uma destas novas paróquias
ficaram responsáveis por cerca de 20 mil habitantes.
Paróquia de N. Sra. Aparecida
Uma das mais destacadas comunidades religiosas católicas, dentre as mais
recentemente criadas em Betim, é a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida, no
bairro Filadélfia, inicialmente ligada à matriz do Carmo, cuja pedra
fundamental lançou-se em 1975, pelo Bispo auxiliar Dom José Dalvit, de Belo
Horizonte.
A comunidade da região freqüentava a matriz do Carmo e, especialmente
alguns bairros, como a “Vila dos Atrevidos”[8],
estava bastante carente de assistência espiritual. Frei Eduardo Metz começou,
então, a celebrar missas em um cruzeiro da região.
Alguns líderes da região, como José Roberto Marcelino e Marcos Ribeiro
Neto, se organizaram para conseguir um terreno, que foi doado por José
Francisco Guaracy, sendo a construção presidida por comissão liderada por Décio
Marçal Ferreira, padre Paulo Fernandes de Souza e Haroldo Garcia Rosa.
A comunidade começou a se reunir no prédio da Escola Estadual Sílvio
Lobo, recém-inaugurado pelo Prefeito Newton Amaral. Enquanto isso,
organizavam-se barraquinhas, almoços e bingos para a arrecadação dos fundos
destinados à construção do templo. Por volta de 1975, ainda inacabado, o prédio
da igreja começou a abrigar eventos religiosos.
Elevada a paróquia em (...), a Igreja de N. Sra. Aparecida hoje engloba
as comunidades de São Geraldo (Chácara), São Pedro (Petrópolis) e São João
Batista (Granja São João).
As principais festas promovidas pela paróquia são, em maio, festas em
devoção a Maria, durante todo o mês; em junho, as festas juninas para Santo
Antônio, e o Trido (três dias de oração); em julho, Trido a Sant’Ana, mãe de
Maria, com missas, teatros, barraquinhas; em outubro, a festa de Nossa Senhora
Aparecida, com mobilização das comunidades componentes da paróquia, novena,
procissões de flores, doação de alimentos, barraquinhas. Nos moldes das festas
de Aparecida do Norte, é aberta com uma carreata, no dia 03, e encerrada, no
dia 12, com uma procissão motorizada pela cidade.
Frei Eduardo Metz foi o primeiro pároco, e depois dele vieram Padre
Meireles, Padre Antônio Roberto e Padre Clairisson.
Entre as atividades sociais da paróquia, destaca-se a campanha de
arrecadação de alimentos, para repasse aos vicentinos, que é realizada a cada
segundo domingo do mês.
Protestantismo
As igrejas cristãs reformadas tiveram inserção tardia no Brasil, devido
ao longo vínculo entre o catolicismo e o Estado Brasileiro, que só se encerrou
no final do século XIX (1891). A abundância de denominações pode ser explicada
pelos princípios sistematizados por Martinho Lutero, no século XVI,
especialmente pela relativa liberdade na interpretação do livro sagrado e pela
relação mais direta do homem com Deus – sem o intermédio obrigatório do clero.
O protestantismo chegou a Betim no começo do século XX. Consta que em
1917 foi aberto um salão de reuniões por um Sr. Ferreira (sem registro preciso
do nome da congregação). Após um sermão do Padre Osório, houve um ataque de
cerca de duas dezenas de católicos ao templo improvisado, destruindo-o. O líder
protestante retirou-se da localidade e as denominações reformadas só vicejaram
no município a partir da década de 40, quando foram organizadas as primeiras
igrejas na Colônia Santa Isabel. No centro histórico de Betim, as igrejas
reformadas começam a se organizar na década de 50.
O movimento protestante pode ser dividido em três momentos específicos: o
protestantismo histórico, oriundo diretamente da Reforma européia; o movimento
pentecostal do início do século XX, cuja principal característica é o resgate
da experiência espiritual dos primeiros apóstolos, e o novo pentecostalismo,
surgido no contexto das culturas de massa, em meados do século XX.
Para cada um desses momentos históricos, tomaremos uma grande comunidade
religiosa de Betim: a Igreja Batista, a Igreja Evangélica Assembléia de Deus e
a Igreja do Evangelho Quadrangular. Essa opção justifica-se pela grande
diversidade de igrejas evangélicas hoje existentes em Betim. Apenas as
filiadas ao COMPEB (Conselho Municipal de Pastores Evangélicos de Betim), isto
é, aquelas reconhecidas pelas demais igrejas como satisfatoriamente
institucionalizadas, somam quarenta e duas instituições.
Igreja Batista
Os batistas tiveram origem no movimento anabatista, cuja ocorrência histórica
foi contemporânea da Reforma, no centro europeu. Os anabatistas eram gente
muito pobre e simples e sua presença na Reforma particularizou-se pelo
radicalismo em relação à liberdade de culto. Em função disso e de suas
características sócio-econômicas, foram perseguidos pelos próprios cristãos
reformados.
O movimento batista propriamente dito desenvolveu-se na Inglaterra, por
volta do século XVII. Suas origens históricas contribuíram para as
características posteriores do movimento, relacionadas à inerência da liberdade
de consciência, da individualidade e da privacidade.
Os batistas, portanto, participaram da formação de um pensamento liberal
e de conceitos universalizados pela burguesia apenas no século XIX. Suas
igrejas defendem o “sacerdócio de cada cristão”, isto é, uma relação direta com
Deus, e evitam a hierarquia: não há bispos ou líder universal, as igrejas são
autônomas e referendam – ou não – seus pastores; busca-se também um afastamento
em relação ao Estado, apesar da atual consciência de cidadania.
O culto batista é simples, sem hierarquia ou liturgia elaborada.
Ao contrário de outros grupos protestantes históricos, caracterizados por
um certo elitismo expresso, por exemplo, na grande erudição de seus líderes, os
batistas expandiram seu alcance e, sem partir para o popularesco, atuam
principalmente entre as classes médias baixas.
Há grande diversidade entre as igrejas batistas. No Brasil, por exemplo,
há duas grandes convenções[9]
batistas e diversas igrejas independentes. As convenções são: Convenção Batista
Brasileira, mais tradicional, ligada às concepções batistas históricas; e
Convenção Batista Nacional, de concepção mais carismática, neopentecostal.
Betim possui igrejas ligadas a ambas as convenções, e também batistas
independentes.
Entre as igrejas batistas mais antigas de Betim, três já existem há pelo
menos três décadas e se tornaram grandes comunidades. Suas respectivas
histórias permitem conhecer as características mais caras aos batistas, com
destaque para sua independência.
O primeiro grupo batista de Betim formou-se em 1958, tendo como pioneiro
o Sr. Cornélio. Esse grupo, ligado à Igreja Batista do Bairro São Paulo, em Belo Horizonte ,
organizou-se ao longo dos anos 60, filiando-se em 1962 à Convenção Batista
Brasileira, única existente na época. Seu primeiro pastor foi Domício Lírio da
Rocha.
Em 1966, a
CBB cindiu-se, devido à emergência de um grupo carismático, fundando a CBN. A
Igreja Batista de Betim filiou-se à dissidência.
Um grupo dentre esses pioneiros batistas, descontente com a nova
concepção adotada, afastou-se da igreja, fundando novo grupo filiado à CBB, que
se instalou no bairro Angola e adotou o nome de Primeira Igreja Batista de
Betim. Faziam parte desse grupo Claudomiro Luiz de Paiva, José Borges, Mantan
Monteiro e Osias Avelino de Souza. Seu primeiro pastor foi Vanor Antônio de
Castro, sucedido por Nestor Lopes da Silveira.
No início dos anos 70, dentro da Igreja Batista carismática, um grupo
começou a discordar da liderança do Pastor Domício, passando a reunir-se independentemente.
Logo recebeu o apoio da Igreja Batista do Bairro Inconfidentes, formando, em 1975, a Igreja Batista Nova
Canaã. Seu pastor, Daniel Leite Fonseca, dirige a igreja desde 1977. Quando de
sua chegada, a comunidade contava com 37 membros batizados.[10]
Faziam parte do grupo pioneiro de Nova Canaã: Matias de Souza Santos,
Beatriz Vieira, Elzi Souza Lima, Onilda Romão Bezerra, Gravilina Vieira e
Manoel Roberto de Lima.
Quanto ao primeiro núcleo batista, adotou o nome de Nova Jerusalém depois
que o Pastor Domício foi substituído pelo Pastor Oromar.
Embora filiadas à CBN, as comunidades batistas Nova Jerusalém e Nova
Canaã têm orientações distintas e poucas relações entre si. Isso se deve à
autonomia das comunidades e à importância da liderança do pastor para os
batistas.
Nova Jerusalém tem um templo central e diversas congregações no
município, formando uma grande comunidade. Do ponto de vista das práticas
religiosas, é uma igreja que observa o comportamento ou os costumes de seus
membros.
Já Nova Canaã opta por não manter congregações e reúne sua comunidade no
templo central, alimentando também células nos lares. Tem independência
doutrinal quanto aos usos e costumes, pois sua liderança considera importante
não imiscuir-se na vida pessoal de seus membros. Quanto a isso, toma como axioma
uma máxima paulina: “Todas as coisas me são lícitas mas nem todas me convêm”.
A comunidade de Nova Canaã compreende-se em diferentes níveis: a linha de
frente, isto é, aqueles que trabalham diretamente em prol do crescimento e
unidade da igreja, os membros históricos e freqüentes, os participantes
ocasionais e as instituições. Ao todo, a comunidade conta três mil pessoas,
sendo dois mil membros regulares.
Nova Jerusalém e Nova Canaã cresceram provavelmente em função de sua opção
carismática, mais afinada com as necessidades religiosas de muitos novos
betinenses, chegados com a industrialização. Fenômeno semelhante, de
crescimento dos batistas renovados, pode ser observado em outras grandes
cidades industriais, como Anápolis – GO e Governador Valadares – MG.
Igreja Evangélica Assembléia de Deus
As Assembléias de Deus foram fundadas no Brasil, na
primeira década do século XX, pelos missionários batistas suecos Gunnar Vingren
e Daniel Bergman. Eles eram oriundos de um grupo batista renovado na Europa e
seus princípios pentecostais não foram bem-vistos pelos batistas de Belém,
Pará, onde se radicaram. Fundaram, portanto, a primeira denominação pentecostal
existente no Brasil, levando consigo já alguns dos membros batistas, atraídos
pelo avivamento espiritual que traziam.
A nova igreja teve grande crescimento entre a gente
simples brasileira e já em meados do século era uma respeitável denominação.
Além de basear-se nos princípios pentecostais, caracteriza-se pela estrita
observância dos usos e costumes de seus membros e congregados, isto é, possui
uma doutrina bastante específica, relativa por exemplo ao vestuário, à ética e
às práticas culturais.
Do ponto-de-vista da organização institucional, as
Assembléias de Deus possuem duas grandes convenções de pastores, sediadas no
Rio de Janeiro. A primeira é a Convenção das Assembléias de Deus do Brasil,
hoje presidida pelo Pastor José Wellington Bezerra, e sua dissidência é a
Convenção das Assembléias de Deus do Ministério de Madureira (bairro da cidade
do Rio de Janeiro), hoje presidida pelo Pastor Manoel Ferreira.
A hierarquia, praticamente inexistente entre os
batistas, é fortemente observada pelas Assembléias de Deus. A liderança pessoal
dos pastores é o principal fundamento político de sua organização e são
estritamente observadas as diretrizes nacionais, estaduais, regionais e locais.
Das Assembléias de Deus surgiram também outras
denominações pentecostais de grande expansão na sociedade brasileira, como a
Igreja Deus é Amor, fundada pelo Pastor David Miranda, e a Igreja Brasil para
Cristo, fundada pelo Pastor Manoel de Melo.
As Assembléias de Deus têm uma política de expansão
interna – cada membro tem a responsabilidade de evangelizar e atrair novos
convertidos – e externa, através de missionários. A convenção estadual de Minas
Gerais mantém missionários em países tão longínquos quanto Bolívia, Paraguai,
Argentina, Japão, Ucrânia, Guiné Bissau, África do Sul e Moçambique.
Em Betim, a primeira congregação das Assembléias de
Deus fundou-se na Colônia Santa Isabel, em meados da década de 1950, sob a
responsabilidade do Pastor Anselmo Silvestre, hoje presidente da convenção
estadual. Evidentemente, o pioneirismo desta igreja na Colônia deveu-se ao fato
de esta ter concentrado pessoas oriundas de vários pontos do estado, inclusive
locais nos quais o protestantismo havia fincado raízes nas décadas anteriores.
Na Colônia, o primeiro dirigente das Assembléias de
Deus foi o Presbítero[11]
Sinobalino Pinto, hoje quase centenário e ainda membro da igreja. Fidelcino
Martins (35111869) da Silva morou em Citrolândia e trabalhou na Colônia, como
pastor residente, a partir de 1986. Antes disso, os pastores apenas atendiam a
comunidade, morando, por exemplo, em Belo Horizonte.
No centro histórico de Betim, a primeira
congregação das Assembléias de Deus fundou-se em 1958, pelo Pastor Anselmo
Silvestre. Em 1959, contava cerca de 30 membros, entre os quais podem-se citar:
José Egídio da Silva, Isaltino Egídio, Divino José dos Santos, Juvercino
Teixeira de Carvalho, Maria Fragosa, Maria Custódia Alves, Juvenal Alves, Maria
da Conceição Santos, William Batista e Vanda Alves Batista.
A congregação ocupou salões alugados nas
proximidades da atual Escola de Mecatrônica, até 1963, quando recebeu um lote
por doação na Vila Recreio – o próprio dono do loteamento, Jeremias Anoni
Rizel, filho de membros da igreja, fez a doação. Havia uma “zona boêmia” nas
imediações, o que é citado como uma experiência difícil pelos pioneiros da
igreja. Estes lembram também as perseguições que sofreram na primeira década de
atuação na cidade: ameaças, apedrejamentos, organização de procissões católicas
nas proximidades dos locais de culto, entre outras.
Inicialmente, a igreja foi dirigida por presbíteros
e diáconos, por seu caráter de congregação – comunidade ainda muito dependente
de uma sede. Seus primeiros dirigentes foram José Augusto Gomes, Alcino Calu,
Ari Ferreira Coelho e Oscar Augusto de Souza.
Na década de 70, já bastante grande, a igreja teve
seus primeiros pastores, Euclides Morais Batista e Jair Suriba, que dirigiu a
comunidade por dez anos. Em 1982,
a liderança passou ao Pastor José Rodrigues de Araújo,
que permanece no posto, hoje como pastor regional de Betim, São Joaquim de
Bicas e Igarapé.
As Assembléias de Deus ligadas à CGADB (Convenção
Geral das Assembléias de Deus do Brasil) são hoje 60 congregações em Betim,
além da Sede, localizada na Vila Recreio. Seis mil e quinhentas pessoas são
membros batizados, sendo que a comunidade inteira ultrapassa a marca de dez mil
pessoas. E há ainda congregações ligadas à Convenção de Madureira.
Igreja do Evangelho Quadrangular
A Igreja do Evangelho Quadrangular foi fundada no Estado de Filadélfia,
EUA, pela missionária Aimée Semple Mcpherson, em 1922, quando contava 32 anos
de idade. Sua característica básica era o avivamento, isto é, a revalorização
do batismo com o Espírito Santo, experiência primordial dos Apóstolos, e a
defesa de que a mensagem do Espírito era quadrangular, isto é, baseada
em quatro signos reveladores.[12]
Em razão de ter a fundadora nascido em uma tenda, a Igreja adotou a
prática de reunir-se em tendas, ao invés de construir templos na tradicional
alvenaria.
Da perspectiva da experiência espiritual, a Igreja Quadrangular se
caracteriza pelo pentecostalismo e pela ênfase na cura divina. Do
ponto-de-vista dos costumes, pode ser caracterizada como uma Igreja mais
moderna, mas sensível à cultura contemporânea. Diferentemente dos batistas, que
se adaptaram às novas demandas, a Quadrangular já nasceu num contexto
pós-moderno, por assim dizer.
Sua fundação por uma mulher, bem como a presença de mulheres em sua
hierarquia, é, por si só, um sintoma dessa experiência pós-moderna.[13]
Trata-se de um fenômeno novo e pouco freqüente no cristianismo.
São outros sinais da contemporaneidade da Quadrangular o uso dos meios de
comunicação de massa para a evangelização – a Igreja é proprietária de rádio FM
em Minas e mantém programas na Rede Bandeirantes – e sua atuação explicitamente
voltada para objetivos eleitorais. Algumas das maiores personalidades da
Igreja, como Mário de Oliveira e Antônio Genaro, foram deputados repetidas
vezes. A Igreja mantém coordenadores políticos, responsáveis pela
conscientização para o exercício do voto e a reflexão sobre a importância de
eleger evangélicos. Também são valorizadas as relações com os grupos políticos
de cada comunidade.
A Quadrangular prescreve condutas para seus membros, porém sem o
fundamentalismo que se manifesta, por exemplo, na correção da indumentária, em
outras igrejas. Em razão disso, não há punições ou exclusões, exceto em casos
extremos, como condutas condenadas pela moral secular (crimes).
Seu culto é simples, como os cultos protestantes em geral, baseado
principalmente nos louvores, nas pregações e nos apelos para que as pessoas se
convertam à doutrina, mas, nesta Igreja, também a dança e a expressão corporal
em geral fazem parte da liturgia.
As Quadrangulares se organizam hierarquicamente, de maneira ascendente,
com diáconos, obreiros, aspirantes e pastores. Dentro de cada unidades, grupos
por idade e sexo organizam a atividade religiosa e a formação (crianças,
jovens, mulheres, homens, casais). Do ponto de vista geográfico, as igrejas se
organizam em regiões, estados e federação.
A Igreja Quadrangular chegou ao Brasil em 1951, pelas mãos do Reverendo
Harold Williams, que denominou-a Cruzada Nacional de Evangelização e manteve a
tradição das tendas. Seu maior líder atualmente é o Pastor Mário de Oliveira,
pioneiro em Minas Gerais
nos anos 70.
A Igreja chegou a Betim no início dos anos 70, realizando seus primeiros
cultos ao ar-livre, nas proximidades da antiga Cerâmica Saffran e nas
residências dos primeiros membros. Com a fundação da igreja, em 1973, passou a
realizar cultos numa garagem da Av. Inconfidência, construindo depois seu
primeiro templo, no próprio Bairro Morais.
Os líderes pioneiros na cidade foram os Missionários Elias Maia e Alaor
Gaisler e, entre os primeiros membros da igreja, entre os quais muitos
continuam atuando na região ainda hoje, contam-se: Diaconisa Maria Batista,
Pastora Rosa, Maria Ferreira, Pastor José Afonso Alexandre (atualmente, atuando
em Citrolândia) e Pastor Flávio (atualmente, em Florestal).
Em 2003, o número de templos da Igreja Quadrangular em Betim ultrapassa
cem, dirigidos por cerca de cento e vinte pastores cuja superintendência fica a
cargo do Pastor Daniel Itaborahí. Inclusive, em resgate das antigas tradições
da Igreja, inaugurou-se em dezembro de 2000 uma tenda assemelhada às lonas de
circo, na Praça da Brasiléia, sob a liderança da Pastora Marly Martins
Itaborahí. Apenas aí, a Quadrangular já ultrapassa a marca de seiscentos
membros.
A atuação social da Igreja dá-se prioritariamente no nível da assistência
espiritual e do resgate de pessoas em situação de risco. Por essa razão,
mantém, em Betim, a Casa de Recuperação de Portadores de Dependência Química
DERJOVEM (Desafio de Resgate ao Jovem), no Bairro Granja São João.
A Pastora Marly Itaborahí, destacada dirigente da Quadrangular em Betim,
titular da Tenda do Avivamento, Presidente da Casa DERJOVEM e do Conselho
Municipal de Pastores Evangélicos de Betim, falou sobre a presença da mulher
nas hierarquias evangélicas em Betim. Destacou , por exemplo, a dificuldade para
que os demais pastores utilizassem o título “pastora” para se dirigir a ela e
para que a convidassem aos púlpitos das igrejas. Atualmente, segundo a Pastora,
as resistências diminuíram.
Também falou sobre as relações entre a Igreja Quadrangular de Betim e a
política, especialmente sobre a delicada memória do ex-pastor e ex-vereador
Antônio Paulino, primeiro líder Quadrangular a projetar-se na política local.
Paulino foi acusado de práticas corruptas, teve seu mandato cassado, foi preso
e, em função dos estatutos da Igreja, também perdeu o título de pastor.
Segundo a Pastora Marly, estes episódios foram dolorosos para a
comunidade Quadrangular, refletindo-se, inclusive, no exercício político
posterior. A comunidade entendeu que Paulino realmente incorreu nas falhas
imputadas a ele e afastou-o da liderança, sem deixar de lhe prestar assistência
espiritual e solidariedade. Doze anos após os fatos, Paulino está retornando ao
posto de Pastor.
A Igreja, por sua vez, tem lançado candidatos nas últimas eleições,
alcançando expressiva votação, e está na vanguarda das relações entre as
igrejas evangélicas e as lideranças políticas locais, inclusive citando
Carlaile Pedrosa como um prefeito sensível às demandas dos evangélicos.
Cultos Afro-brasileiros
Apesar de suas antigas raízes culturais na África e de sua grande
complexidade e elaboração ritual, os cultos afro-brasileiros são pouco
conhecidos dos leigos no Brasil. Denominados pejorativamente de “macumba”[14],
são ignorados em sua diversidade e entendidos como manifestações do “mal” por
terem sido forma de defesa e resistência dos povos submetidos à escravidão e à
marginalidade no Brasil.
Os mais praticados e conhecidos cultos afro-brasileiros são o candomblé e
a umbanda. O candomblé tem origem na religião do povo iorubá, que fazia parte
do reino do Benin, no litoral centro-ocidental africano, por volta do século
XV. Dali vêm os orixás adotados por praticamente todos os cultos
afro-brasileiros.
O candomblé é uma religião pouco sincrética, fiel às suas raízes
culturais, de intrincada liturgia e ritualística. São suas características a
grande elaboração da indumentária e riqueza dos templos e cultos.
A umbanda é uma religião tipicamente brasileira, fundada no início do
século XX, com expressiva adoção das práticas religiosas de diversos povos
africanos, mas também sensível a influências religiosas orientais, principalmente
indianas[15], e
também nativas de solo brasileiro (indígenas e caboclas). A umbanda tem uma
dissidência expressamente dedicada ao “mal”: a quimbanda.
Além da umbanda e do candomblé, há outros cultos afro-brasileiros, vários
deles com representação em Betim: Angola, Keto, Jêge, Nagô, Umbandomblé,
Moçambique, Congo, Vilão, Catupé.
Os cultos afro-brasileiros não são tão facilmente redutíveis a um modelo
como as igrejas cristãs institucionalizadas. Como esses cultos são
marginalizados, sua prática se dá um tanto subterraneamente, muitas vezes sem
controle de federações ou confederações, ao sabor dos entendimentos individuais
dos líderes ou comunidades particulares, altamente sincréticas e plásticas. E
que isso não seja compreendido como algo negativo.
A Federação Espírita Umbandista de Minas Gerais mapeou 56 centros ou
terreiros de vários cultos afro-brasileiros em Betim, no ano 2000. Destes,
apenas 6 eram filiados à referida Federação. Apesar desta expressiva
ocorrência, é difícil fazer uma história destes cultos porque seus líderes se
furtam à divulgação entre leigos.
A razão pela qual os praticantes de cultos afro-brasileiros se mantêm na
obscuridade não é desconhecida: esses cultos adquiriram, ao longo dos séculos,
fortes ligações com o catolicismo. Grande parte de seus praticantes se declara
católica e prefere manter as práticas não-cristãs mais escondidas embora, nem
por isso, menos importantes.
Apenas para que se inicie uma história dos cultos afro-brasileiros em
Betim, registram-se as informações prestadas pelo Pai-de-Santo umbandista
Daniel Pereira da Silva, mais conhecido como Daniel Cigano, que mantém, desde a
década de 80, o Templo Espírita Cristão Pai Antônio do Cruzeiro das Almas, hoje
sediado no Conjunto Rubens do Pinho Ângelo, depois de passar pelo Santa Inês e
pelo Filadélfia. O terreiro tem a chancela da Federação Espírita Umbandista de
Minas Gerais.
Os orixás ou deuses cultuados no centro são os mesmos do candomblé e têm
equivalência com divindades e santos cristãos: Zambi (Deus), Oxalá (Cristo),
Ogum (S. Jorge), Oxossi (S. Sebastião), Xangô (S. Jerônimo), Iemanjá (Nossa
Senhora), Iansã (S. Bárbara), Oxum (N. Sra. da Conceição Aparecida), Nanã,
Cosme, Damião e Doum, além de outros orixás pouco conhecidos, como Ossaim,
Bessém e Oroquê.
Logo abaixo, na hierarquia umbandista, estão os pretos-velhos, antigos
escravos, que são patronos das casas de umbanda. São também reverenciados os
caboclos (neste centro, o caboclo Serra Negra é o responsável pelo
desenvolvimento das sessões), os erês (crianças), os boiadeiros e o povo da
Bahia. Todos estes têm altares específicos no Templo do Pai Daniel, organizados
em forma piramidal, abaixo dos orixás.
Os cultos seguem liturgias específicas, conforme suas finalidades. Uma
sessão neste centro específico segue a seguinte liturgia: preparação do altar;
banhos de descarrego tomados pelos filhos-de-santo participantes, cada um deles
preparando o banho de acordo com seu orixá, preces (Pai Nosso e Ave Maria),
prece do sacerdote intuitivamente criada, louvores (em língua portuguesa ou em
línguas africanas), canto do anjo-da-guarda (o Ogam-Calofé, ou guarda do
pai-de-santo, faz a chamada do anjo-da-guarda do pai-de-santo e, junto com os
Ogãs-de-Atabaque, ou percussionistas, canta para a descida da entidade que vai
reger a sessão).
O templo possui vários ambientes. Há o camarim, no qual o pai-de-santo
realiza seus rituais preparatórios e também dá consultas particulares. Há o
ambiente de maior acesso público, onde estão os altares (ndá), o abassé
(círculo central onde o pai-de-santo incorpora as entidades e sob o qual está
enterrado o segredo da casa, apenas conhecido pelo pai-de-santo), o abassá,
área que circunda o abassé, onde ficam, durante o culto, os médiuns em
desenvolvimento, e o estádio da assistência, onde ficam os demais participantes
da sessão.
Outro ambiente é o Cruzambê das Almas, uma espécie de capela, onde ficam
uma cruz, imagens dos pretos-velhos, de santos, como N. Sra. do Desterro, água
e velas. Finalmente, tem-se a Creche do Exu, local mais resguardado do templo,
onde ficam as imagens dos Exus e das Pombas-Giras. Todos são servidos, em
média, a cada sete dias, com comida e bebida, ocasião em que se fazem também as
orações de oferenda.
Os filhos-de-santo na umbanda passam por um processo de formação que dura
7 anos. A cada ano, ficam recolhidos no templo durante 72 horas, totalizando
504 horas. Cada período de recolhimento corresponde a um nível preparatório –
como Amassi e Ronco – e, ao final dele, o filho-de-santo adquire um novo grau –
como ialorixá ou babalorixá. No candomblé, essa preparação dá-se de uma vez:
recolhimento de 21 dias.
O centro de Pai Daniel realiza duas sessões por mês, atendendo a cerca da
40 pessoas, mensalmente – público rotativo. O umbandista não precisa praticar
com exclusividade este culto, razão pela qual há católicos e mesmo protestantes
como freqüentadores. O sincretismo é bastante evidente nos termos próprios –
usam-se tanto palavras africanas quanto a designação “médium”, mais presente no
kardecismo – como na variedade das imagens e símbolos – cabeça de boi,
caravela, coroa, imagens católicas, carrancas, animais, flores, brinquedos,
espadas, berrantes, objetos de origem mística européia, etc.
Um dado curioso é a informação de Pai Daniel sobre o fato de solicitar,
esporadicamente, que padres celebrem missas em seu templo. Esses cultos são
sincréticos, evidentemente celebrados apenas por sacerdotes católicos que
conheçam e respeitem a umbanda, havendo até casos em que o padre incorporou
entidades da umbanda.
Finalmente, citam-se centros de cultos afro-brasileiros em Betim,
mapeados com a ajuda de fontes orais: os mais antigos sacerdotes citados, já
falecidos, são: Joaquim Nicolau, o ancestral das congadas em Betim, José Luiz
(Petrópolis), Mãe Genica (Angola), a mais freqüentada em meados do século XX,
Pai Sebastião Passos (Chácara), Pai Olímpio (Filadélfia); sacerdotes antigos,
ainda vivos: Mãe Capitu (Salomé), D. Berenice Leal (Citrolândia, hoje
transferida para outro município) e Sr. Tonico, proprietário da Casa Iemanjá,
que hoje não mais atua como sacerdote, mas organizou, durante 7 anos, uma
grande festa a Iemanjá, na Lagoa Várzea das Flores, com grande afluência do
público. Sacerdotes atuais: D. Sebastiana (Santa Inês, 2ª Seção), Dalmo Martins
(Petrópolis), Pai Ronei (Jardim Casablanca, hoje o mais luxuoso centro de
Betim, freqüentado por gente da elite e de grande público), Mãe Cida (Cidade
Verde), Pai Moreira (N. Sra. das Graças), D. Maria do Pimenta (Angola), D.
Toninha (Angola), Paulo Cotia (Citrolândia).
Pesquisa acadêmica realizada nos anos 90 por Patrícia Brito deu conta de
que muitos betinenses freqüentavam centros de cultos afro-brasileiros em
Esmeraldas, como forma de manter suas práticas religiosas ocultas de seus
conhecidos.
Espiritismo
O espiritismo designa-se a si mesmo como um campo de estudos, uma
filosofia e uma moral.[16]
Foi codificado em um corpus de textos, pelo Professor Hyppolite Léon
Denizard Rivail, sob o pseudônimo de Allan Kardec, ao longo da segunda metade
do século XIX.
Sistematizado em pleno auge da ciência experimental (século XIX), o
espiritismo optou por não se fundamentar apenas na fé, como outras grandes
revelações da transcendência humana. Começou, não pela manifestação de uma
mensagem, mas pela observação de fenômenos ditos espirituais bastante freqüentes
nos Estados Unidos e na Europa em meados dos anos oitocentos porém, segundo os
espíritas, sempre presentes na experiência humana.
O Prof. Rivail, segundo a literatura espírita inicialmente um cético em
relação aos fenômenos espirituais, foi se convencendo de sua realidade porque
estes se prestavam aos métodos científicos então tidos em extrema estima, a
saber a observação, a experimentação e a classificação.
Os espíritas prezam muito este caminho intelectual de acesso às
manifestações extra-materiais. Parece que a fé, pura e simplesmente, é
insuficiente para sustentar a vivência da dimensão espiritual humana num mundo
que tem a razão como um dos seus pilares, como é o caso do mundo ocidental
desde o século XVIII. Em conseqüência disso, também, os espíritas possuem uma
prática diferenciada da maioria das religiões: evitam o aparato litúrgico e o
apego a objetos, procurando investir na experiência espiritual íntima e sem
muitos intermédios.
O espiritismo entende-se a si mesmo como uma terceira grande revelação da
divindade ao mundo ocidental, tendo sido precedida pelo Judaísmo de Moisés e
pelo Cristianismo.[17]
Insere-se ainda no próprio Cristianismo, tendo a Cristo como um mestre para
quem a existência do mundo espiritual era um fato.
A Bíblia e os mais fundamentais princípios judaico-cristãos são
respeitados pelos espíritas e constituem sua herança, com especial valorização
dos Evangelhos. Mas algumas de suas formulações ultrapassam essa secular
ortodoxia. A imortalidade do espírito é uma crença compartilhada entre os
espíritas e as grandes religiões ocidentais. Entretanto, os espíritas refletem
especificamente sobre a vida dos espíritos independentemente de seus corpos
físicos, isto é, sobre como se verifica sua existência na eternidade.
Crêem que todos os espíritos são criados simples e ignorantes pela
divindade e que o sentido de sua existência é a busca da perfeição e da
felicidade. Para isso, vivem alternadamente encarnados e desencarnados, sendo a
encarnação uma condição para o aperfeiçoamento. Enquanto desencarnados, levam
uma vida muito semelhante à vida terrena, apenas numa dimensão diferente da
física, isto é, de forma incorpórea. As encarnações podem ocorrer não só na
Terra mas também em outros mundos habitados.[18]
Há um momento no desenvolvimento de cada espírito em que este não mais
precisará encarnar-se. Virá ao mundo físico apenas a trabalho, como crêem os
espíritas que ocorreu principalmente com Cristo, mas também com outros
iluminados.
Além da crença nas encarnações sucessivas, defendem que toda ação do
espírito provoca reação. Isso se traduz basicamente na crença de que, se um
espírito causa algum prejuízo a outro espírito ou ao ambiente, terá de reparar
esse prejuízo de alguma forma.
Segundo o espiritismo, todas as pessoas, em maior ou menor grau, podem
perceber as manifestações do mundo espiritual. Aquelas que possuem especial
sensibilidade são médiuns, ou intermediárias entre o mundo espiritual e
o mundo físico. A mediunidade precisa ser conscientemente desenvolvida.
Visto que os espíritos tendem todos ao aperfeiçoamento e à prática do bem
para a felicidade geral, ainda que alguns se encontrem em estágio evolutivo
distante deste ideal, ou em estado de sofrimento, o espiritismo, enquanto
movimento, tem intenso compromisso com o cuidado social – a caridade, a
assistência, a solidariedade tanto com os espíritos encarnados quanto com os
desencarnados. A prática do cuidado faz parte do processo de aperfeiçoamento de
cada espírita.
É evidente que o entendimento da doutrina não é algo que ocorra de maneira
idêntica para todos os grupos ou indivíduos espíritas. E como a pureza
doutrinal é uma preocupação dos espíritas, tanto que não há dissidências entre
suas instituições[19],
o estudo é uma das atividades mais regulares entre seus grupos. Uma abundante literatura[20]
de divulgação acompanha as obras básicas do espiritismo[21],
sendo esta uma maneira de manter uma unidade entre os grupos.
Betim possuía, em 2003, cerca de quinze casas espíritas, entre as quais
identificamos, através da AME – BETIM (Aliança Municipal Espírita de Betim), as
seguintes: Associação Espírita André Luiz, Casa de Oração Bezerra de Menezes,
Centro Espírita Campos Vergal, Centro Espírita Irmão Francisco de Assis,
Fraternidade Espírita Esperança, Fraternidade Espírita Eurípedes Barsanulfo, Grupo
Espírita Amor e Família, Grupo Espírita Irmão Gorich, Grupo Espírita O
Semeador, Núcleo Assistencial Espírita Glácus e Sociedade Espírita Maria de
Nazareth. Há ainda a casa Irmão Flores, sediada em Citrolândia. Estas
casas são filiadas à União Espírita Mineira.
A maioria das casas encontra-se nos bairros centrais de Betim, o que
talvez indique uma composição social de classe média, ao menos entre os grupos
mais ortodoxos, isto é, comprometidos com a “pureza doutrinal” espírita. Os
nomes das casas geralmente fazem referência aos espíritos adotados como
patronos, sendo que o reconhecimento do espiritismo em relação a grandes
cristãos também aparece nas denominações.
Interessante refletir sobre a abrangência numérica dos grupos. Alguns
líderes de casas espíritas indicam que seus grupos contam entre trinta e
sessenta membros assíduos. Até mesmo o caráter de estudo e de desenvolvimento
individual no interior dos grupos aponta a necessidade de limitar sua expansão,
embora isso não seja uma intenção dos espíritas. Estes apenas esclarecem que
não fazem proselitismo, isto é, a ação destinada a converter mais e mais
pessoas, apesar de se alto o número de pessoas com as quais os espíritas
desenvolvem reflexão e ações de assistência.
A primeira casa espírita betinense foi o Centro Espírita Campos Vergal,
sediado na Colônia Santa Isabel em rua, não por acaso, denominada Allan Kardec.
Esta casa foi fundada em 1947 por trinta espíritas, sendo sua primeira
diretoria: Francisco Mori, presidente; Gabriel Francisco Soares, vice-presidente;
José Lino de Almeida, secretário e João Batista Costa, tesoureiro. Possui um
forte caráter beneficente, muito provavelmente em função do contexto em que
firmou sua existência, uma colônia de hansenianos na qual a assistência social
tornou-se forte prática.
É provável que a fundação de uma casa espírita tão precocemente em Betim
– se considerarmos as datas de fundação de outras casas – deva-se ao fato de
que a doutrina espírita oferece uma explicação para a condição dos portadores
da hanseníase, especialmente para a situação de segregação social em que se
encontravam, além de um alento para as dificuldades cotidianas.
Campos Vergal, o patrono da casa, paulista, foi funcionário da justiça,
deputado estadual e federal, escritor e destacado espírita entre 1903 e 1980.
Na década de 1970, a
vocação literária espírita manifestou-se na casa Campos Vergal através da
fundação de um jornal, O Gorjeio, aberto a quaisquer orientações religiosas e
destinado a registrar aspectos relevantes da vida na Colônia. No número
inaugural do periódico (dez 1970 – jan 1971), o então presidente da casa Campos
Vergal, João Batista da Costa, falou sobre a importância dos serviços
assistenciais da instituição, que mantinha farmácia para distribuição gratuita,
além de atender materialmente 123 famílias.
Apenas em 1981 surge a primeira casa espírita do centro histórico de
Betim. Foi a Associação Espírita Betinense, fundada a 05 de julho e
inicialmente dirigida por José Leonardo Gomes, o Piu. Foram fundadores desta
casa, além do próprio José Leonardo Gomes, Osvaldo Rodrigues Pereira, Nelson da
Silva Melo, Matozinhos Bernardo de Oliveira, Clermont Martinelli, Agostinho
Bento Lara, Maria Geralda de Oliveira, Joana D’Arc de Oliveira, Antonio
Nascentes de Azevedo e Luzia Gomes Zevallos Del Barco.
A reunião de fundação do grupo deu-se em sala cedida no prédio do CETAP.
A seguir, a Associação Espírita Betinense alugou sede no bairro Brasiléia, onde
permaneceu até o início dos anos 90, quando inaugurou sede própria, no Bairro
Santa Inês, construída em terreno doado pela PMB na segunda gestão de Osvaldo
Franco.
Em 1993, o grupo teve seu nome mudado para Associação Espírita André Luiz
(nome do patrono do grupo, médico em encarnação passada). Atualmente, são
trinta os membros freqüentes do grupo.
Entre as casas espíritas betinenses, é possível verificar alguma
especialização em determinadas atividades decorrentes da opção pelo
espiritismo. Na Fraternidade Espírita Esperança, por exemplo, o desenvolvimento
da mediunidade e a assistência espiritual a encarnados e desencarnados é muito
forte, o que não ocorre com a casa Bezerra de Menezes, mais dedicada ao estudo
da filosofia e da doutrina. Outras casas dão ênfase ao trabalho social, como é
o caso da Glácus, que mantém uma creche, e da Gorich, que investe no
atendimento aos doentes.
Hinduísmo
Betim conta com a presença e atuação de uma
importante ordem hinduísta, a Ordem Ramacrisna. Ramacrisna foi um grande mestre
indiano, monge, e sua ordem é importante na Índia, tendo também se instalado no
Brasil.
O responsável pela instalação da Ordem Ramacrisna em Betim, com a
fundação de uma instituição de assistência à infância, foi o Swami Arlindo
Correa da Silva.
A Missão Ramacrisna manteve um orfanato em Betim, na região de
Vianópolis, durante as décadas de 70 e 80, até a vigência do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que extinguiu os internatos. Entretanto, a Missão
continua realizando um trabalho social na comunidade, especialmente com a
infância.
[1]
Códice APM – “Avulsos” Delegacia Fiscal, nº 69, 5º livro do Terceiro Contrato
da Comarca do Sabará.
[2]
Manuscrito “Visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade, 1821-1826” . Arquidiocese de
Mariana.
[3]
Sociedade Pia – Paróquia de Betim, Livro I, Arquidiocese de Belo Horizonte.
[4]
FONSECA, Geraldo. Origens da nova força de Minas, p. 160.
[5]
Durante o período colonial, todos os habitantes procuravam filiar-se a alguma
comunidade ou irmandade católica, pois só assim teriam acesso aos ritos
sócio-religiosos básicos, como os registros de nascimento, casamento e óbito,
bem como acesso a uma sepultura cristã digna, visto os cemitérios estarem
localizados nos terrenos religiosos. As irmandades eram também grupos de poder
e, não raro, competiam entre si através da construção de templos majestosos, dos
quais temos exemplares frente-á-frente ou lado-á-lado nas chamadas cidades
históricas brasileiras. Também os negros sentiam necessidade de organizar
irmandades, ainda que preservassem cultos africanos, de maneira sincrética, sob
o disfarce do culto católico. Há notícias de irmandades negras desde o século
XVI em Portugal e, no Brasil, elas se organizaram principalmente ao longo do
século XIX.
[6] D.
Djanir Arantes Aguiar, em seu livro “Cantos do Mundo: viagens, histórias” (Belo
Horizonte: Cultura, 2000, pp. 60 e 61) diz que Padre Osório, dias antes de
morrer, pediu a ela que cuidasse da preservação da velha igreja e do cemitério.
Após a demolição, a autora do livro teria tido uma visão nas proximidades da
Praça Miltom Campos (uma procissão de cabisbaixos) e interpretou isso como uma
queixa de Padre Osório por ela não ter podido defender o velho templo.
[7] Os
franciscanos se ressentem dos rumos tomados pelo Salão, inclusive pelo fato de
que a entidade jurídica SASFRA, por eles criada, hoje não mais lhes pertence. O
frei Estanislau Bartholdy, fundador do Salão com D. Noemi, prefere calar-se a
respeito, para preservar boas relações com esta senhora, mas outros
franciscanos, como Frei Pedro e Frei Patrício, falam abertamente do “caráter
empresarial” que caracteriza o empreendimento e criticam os preços de seus
produtos. Há um recalque da memória local em torno das origens do Salão...
Coisas indizíveis, ou discutidas para permanecerem em off. É daqueles
pontos mal-resolvidos que precisam do tempo para serem reelaborados. E D. Noemi
é uma construtora de memória com mais poder...
[8]
Ocupação popular ocorrida no início dos anos 60, que depois consolidou-se com o
nome de bairro Olhos d’Água (por causa dos muitos lagos da região próxima da
antiga barreira da Polícia Rodoviária Federal).
[9]
Instituições constituídas por representantes das comunidades (pastores), que
tomam decisões para o conjunto.
[10]
Os batistas, como os protestantes em geral, só batizam seus fiéis nas águas
quando, já adultos, eles optam por isso.
[11]
As Assembléias de Deus adotam um sistema de cargos de liderança cuja
denominação deriva da organização das primeiras igrejas fundadas pelo apóstolo
Paulo. Em ordem ascendente, os cargos são: diácono, presbítero e pastor, sendo
que entre os dois últimos pode inserir-se o evangelista, líder destacado que,
ao invés de responsabilizar-se por uma comunidade, caso do pastor, trabalha
diretamente na expansão da igreja.
[12]
Estes signos teriam sido revelados no livro do Profeta Ezequiel: quatro
querubins com rostos de homem (o Salvador), boi (o Batizador com o Espírito
Santo), leão (o grande Médico) e águia (o rei que há de voltar),
respectivamente.
[13] O
feminismo é um fenômeno pós-moderno.
[14]
Macumba é o nome de um instrumento musical utilizado em certas regiões da
África para invocar divindades. Quase não há “macumbeiros”, isto é, quem saiba
tocar macumba...
[15]
Seu nome é de matriz indiana: AUM BHANDA.
[16]
Em outras palavras, ciência, filosofia e religião. A palavra moral seria mais
adequada do que religião porque se refere especificamente à prescrição de como
devem ser aplicados os princípios filosóficos espíritas.
[17]
Há, também, evidentemente, outras revelações da divindade em diversas partes do
mundo.
[18]
Os espíritas crêem na pluralidade dos mundos habitados e também numa certa
hierarquização dos níveis de desenvolvimento destes mundos. Haveria mundos mais
próximos da felicidade do que a Terra.
[19]
Há grupos espíritas mais especializados em uma ou em outra atividade, o que
decorre do entendimento da doutrina, mas os grupos são tolerantes com a
diversidade, havendo apenas uma Federação Espírita Brasileira, por exemplo.
[20]
Essa opção, entre as linguagens comunicativas disponíveis, pelo texto escrito,
em sua forma “livro”, pode ser entendida como um sinal do compromisso iluminista
espírita: uma crença na leitura como forma de iluminação, de acesso ao
conhecimento.
[21]
Escritas por Kardec, essas obras podem ser designadas como o “Pentateuco” dos
espíritas, e são: O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns
(1861), O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno
(1865), A Gênese (1868).
Texto excelente, aprendi muito.
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