A tormenta

Written By Ana Claudia Gomes on terça-feira, 21 de junho de 2022 | 18:48


 

Era 10 de outubro de 1971 e, ali pela Baixada do São Cristóvão esperava-se pelo clássico Galo x Cruzeiro. Mãe terminara de fazer o frango ensopado de domingo quando pai chamou para ver: umas nuvens cinzentas vindas dos lados da Contagem! Virou-se um pouco e disse: vejam, não tem nada pros lados de Betim. Escondam-se debaixo da mesa de jacarandá. Nós todos nos escondemos. 

Pai avisou que ia rezar apenas três cantos da casa, ele que era famoso rezadeiro e benzedor. Mandou que acompanhássemos as rezas.

Chegou um forte vento, arrancou todo o telhado de barro. Sentimos terror. Veio mais uma rajada de vento e chuva, a casa de tijolinhos começou a ruir, abrindo uma brecha no canto que pai não rezara. Um de nossos irmãos foi atingido ao sair de sob a mesa para escaparmos rápido da casa pela fresta aberta.

Olhamos, havia mais de oitenta casas devastadas em toda a nossa Baixada e até pros lados da Santa Cruz. Apenas uma casa não havia caído até onde nossa vista alcançava. A casinha de sapé dos surdos.

Dali pra frente, os rapazes da família surda sempre nos zoavam. A casinha mais simples e pobre fora justamente a que sobrevivera ao temporal, redemoinho, furacão, o que fosse.

Ficamos meses de favor na vizinhança, até reconstruirmos nossa casa com material que a Prefeitura forneceu. A mão-de-obra não foi paga, foi a nossa mesmo, nas horas de folga.


(Recriado do depoimento de 

Sebastião Geraldo Martins, o Tatão).



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