Sobrevivência da escravidão

Written By Ana Claudia Gomes on quarta-feira, 22 de novembro de 2017 | 13:35

Denis é um homem lindo, para meu gosto. Seus trinta anos, músculos definidos em corpo magro dado pela genética e pela atividade de pintor de paredes. Um baita negão. Mas para meu pesar, já dentes da frente perdidos e uma desinstrução de doer.
Chegou para pintar meu loft dizendo com ênfase, mas naturalidade, que seu filho Johnatan fora preso. Dezoito anos, né senhora. Agora a polícia pôde pegar. Não sei se é por tráfico ou outra coisa. E pegou serviço naturalmente.
Fiquei pasma. Saí para trabalhar, deixei meu mestre de obras, voltei a tempo de ajeitar o almoço. Já então Denis sabia pela mãe de Johnatan que o menino ingressara em presídio tal. E eu pensava se uma pessoa abastada, posição menos acessível a negros no Brasil, assistiria ao calvário do filho pelo aplicativo, sem estar lá na cola, com advogado, fosse o filho o bandido que fosse.
Denis balançou a cabeça para mim, desconsolado. Tanto conselho que eu dei, né senhora. Mas ele é que quis assim.
Fico pensando que esses meninos e pais de cor preta, que não terminaram a escola, que de antes pegavam serviços braçais na roça, na indústria e no comércio. Agora num comércio de lazer ilícito. Eles não sabem quão grande é sua estatística. Escravos ontem, mulas hoje. Ecos do pelourinho.
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