Neném

Written By Ana Claudia Gomes on quinta-feira, 15 de agosto de 2019 | 15:03


É curioso esse apelido, Neném. Tem gente que o leva por toda a vida.
Não soube o nome do meu amigo Neném. Embora eu fosse jovem quando ele me via descendo a rua com pressa e pedia ao motorista dos ônibus que me esperassem. E depois, eu mais próspera,  consertasse os meus pneus furados. Né nada não, respondia quando eu perguntava o preço. Mas eu lhe dava uma moeda para o café.
Nunca conversamos mais que isso. E todo ano, minha cesta de Natal era para ele.
Passaram vinte e tantos anos. Voltei ao uso do transporte coletivo, mas Neném não retardava mais os motoristas. Eu saía e chegava, ele estava sentado na esquina, uma pinga, uma cervejinha. Viera a especulação imobiliária, trazida por um shopping das redondezas, o dono do terreno onde fora sua borracharia ergueu um muro. Não sei como Neném não obteve usucapião.
Aos poucos, outros companheiros de copo, fumo, pedra, passaram a lhe fazer companhia na calçada, durante todo o dia, cada dia. Eu passava a horas diversas, dava bom dia, boa tarde. Neném agora ficava de banho tomado, cabelos molhados de manhã, cacheados ao longo do dia. Grisalhos ao longo do tempo.
Permanecia corpulento, ao contrário de seus vários companheiros e companheiras, e seus olhos ainda brilhavam, dirigidos ao muro onde outrora dirigia sua borracharia. Mas eram tristes sim.
Ontem o encontrei pela manhã e repeti bom dia. À noite, meu vizinho contou que Neném falecera. Hoje passei pela esquina, manhãzinha, os companheiros estavam lá. Mas à tarde a esquina estava vazia. Neném tivera o seu funeral.
Os compromissos do dia não me permitiram comparecer. Comprei uma rosa amarela pois ouvi que são boas para presentear homens. E a depositei junto ao muro que devagarinho matou Neném. Ali é que jaz sua memória.
E sem o seu trabalho, o homem não tem honra. E sem a sua honra, se morre, se mata... Cantei baixinho com Gonzaguinha. E deixei nesta lápide uma inscrição para Neném.
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