Home » » A hora e a vez de Augusto Matraga

A hora e a vez de Augusto Matraga

Written By Ana Claudia Gomes on sexta-feira, 7 de agosto de 2015 | 02:22





De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.
Depois um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.
- Uai! Até as maracanãs!
E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra - grão de verdura - se sumindo no sul.
- Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!
E agora os periquitos, os periquitinhos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos tuins de cabecinhas amarelas, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido - rrrl-rrril! rrrl-rrril!...
Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente: - Me espera!... Me espera!... - E o grito tremia e ficava nos ares, para o outro escalão, que avançava lá atrás.
- Virgem! Estão todas assanhadas, pensando que já tem milho nas roças... Mas, também, como é que podia haver um de-manhã mesmo bonito, sem as maitacas?!
O sol ia subindo, por cima do vôo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia de ser mulher.
E Nhô Augusto pegou a cantar a cantiga, muito velha, do capiau exilado:

"Eu quero ver a moreninha tabaroa,
arregaçada, enchendo o pote na lagoa..."

(João Guimarães Rosa. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 401).
SHARE

0 comentários :

Postar um comentário