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A queimada

Written By Ana Claudia Gomes on sábado, 10 de outubro de 2015 | 08:50


A obrigação cumprida à justa, à noitinha incendiou-se de repente a Casa, que desaparecia. Outros, também, à hora, por certo que lá dentro deveriam de ter estado; mas porém ninguém.
Assim, a vermelha fogueira, tresenorme, que dias iria durar, mor subia e rodava, no que estalava, septo a septo, coisa a coisa, alentada, de plena evidência. Suas labaredas a cada usto agitando um vento, alto sacudindo no ar as poeiras de estrume dos currais, que também se queimavam, e assim a quadraginta escada, o quente jardim dos limoeiros. Derramados, em raio de légua, pelo ar; fogo, faúlhas e restos, por pirambeiras, gargantas e cavernas, como se, esplendidamente, tão vã e vagalhã, sobre asas, a montanha inteira ardesse. O que era luzência, a clara, incôngrua claridade, seu tétrico radiar; o qual traspassava a noite.
Ante e perante, à distância, em roda, mulheres se ajoelhavam, e homens que pulando gritavam, sebestos, diabruros, aos miasmas, indivíduos. De cara no chão se prostravam, pedindo algo e nada, precisados de paz.
Até que ele, defunto, consumiu-se a cinzas - e, por elas, após, ainda encaminhou-se, senhor, para a terra, gleba tumular, só; como as consequências de mil atos, continuadamente. 

(João Guimarães Rosa. Nada e a nossa condição. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 139-140).

Fonte da imagem: http://jornalggn.com.br/blog/lucianohortencio/o-boiadeiro-e-o-grupo-vocal-canto-do-aboio .
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