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História da Saúde Pública em Betim

Written By Ana Claudia Gomes on segunda-feira, 28 de maio de 2018 | 07:45


Há poucos dados sistematizados sobre os primórdios da prestação de serviços de saúde em Betim, especialmente se considerada tal prestação como uma função estatal pública, como geralmente a entendemos hoje. Ao que parece, isso só acontece de forma regular a partir do final dos anos 40, mantendo a rede pública uma oferta bastante precária que só se universaliza relativamente nos anos 90.
O primeiro registro notável da prestação de serviços de saúde em Betim refere-se aos idos de 1916, quando a Fundação Rockfeller, norte-americana, enviou uma Comissão Internacional de Saúde ao Brasil para o estudo de doenças tropicais, principalmente a ancilostomíase.  As relações pessoais do engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá é que propiciaram a Betim ser a base da missão. Também concorreram para isso o acesso ferroviário e a existência de uma pequena unidade móvel de monitoramento do tripanosoma cruzi em Betim.
O relatório da missão deu conta de que 20% da população urbana betinense e 60% da rural (que alcançava mais de 70% do total na época) tinham ancilóstomos. Além disso, 80% dos atendidos (o total de atendidos chegou a 1.435) tinham Doença de Chagas. Consta que as pessoas se deslocavam até 40 km para receber atendimento, o que dá uma medida da carência da população quanto aos serviços de saúde.
Grandes nomes da medicina brasileira estiveram em Betim para acompanhar os trabalhos, a exemplo de Carlos Chagas e Adolfo Lutz. Após o fim da missão, uma de suas casas portáteis permaneceu em Betim, de forma que a antiga unidade móvel ficou melhor aparelhada e houve atendimento dos casos mais graves fora de Betim – em Belo Horizonte. O médico responsável registrou sua decepção com as autoridades brasileiras por não se terem decidido a tornar regular o atendimento aos doentes, através de um dispensário definitivo.
Ao longo da primeira metade do século XX, registra-se a presença da epidemia de gripe espanhola em Betim, o que causou a morte de 38 pessoas em 1918. Sabe-se que não havia socorro público às vítimas e que este socorro partiu dos potentados locais. Os farmacêuticos José Borges e Pedro Xavier de Assis – este último o Mestre Pedro, muito querido da comunidade e que, além de boticário, era professor e erudito – cuidaram do atendimento aos doentes. Nisso, tiveram o auxílio econômico do Dr. Gravatá e dos fazendeiros José Nogueira Duarte e José Belém.
Apenas em 1949, há registro da inauguração de um posto de saúde em Betim pelo governador Milton Campos. Este posto, que ficou conhecido como Unidade Central Dr. Hacketi (porque está localizado na rua homônima), localizado onde hoje está o Centro de Referência em Saúde Mental de Betim (CERSAM), marcou o início da prestação de serviços em saúde de maneira mais regular em Betim. O posto era mantido pelo Estado, que, até a década de 70, inaugurou outros postos, no Angola, no PTB e em Vianópolis. Além destes, Betim contava com o complexo de saúde da Colônia Santa Isabel, cuja principal unidade era o Hospital Orestes Diniz[4], para atendimento principalmente dos internos e de seus parentes que foram se instalando nas redondezas.
Nos anos 70, a Prefeitura Municipal de Betim inicia ações próprias no campo da saúde, inaugurando seu primeiro posto de saúde, localizado na Rua Rio de Janeiro, com um médico e um dentista, que atende prioritariamente aos funcionários da própria Prefeitura. A população propriamente dita ficava aos cuidados dos postos mantidos pelo Estado e pelo INAMPS.
Em 1978, foi inaugurada a FAMUB (Fundação Municipal de Urgência de Betim), primeira unidade de saúde municipal a adotar o conceito de atendimento do urgência. Nessa mesma época, foi criado o primeiro Código Sanitário de Betim, que disciplina questões relativas à poluição, ao saneamento básico e ao funcionamento adequado, do ponto-de-vista sanitário, das empresas de Betim. Esse código vigora até hoje em Betim.
Em 1983, um evento externo provocou intensa reordenação da prestação de serviços em Betim: a criação das Ações Integradas de Saúde (AIs). As AIs representaram a parceria entre as esferas municipal, estadual e federal para a atenção à saúde. Em conseqüência disso, o setor da saúde em Betim foi progressivamente adotando uma linguagem mais consistente e neste início de década criou-se um departamento de defesa do meio ambiente na Secretaria de Saúde (CODEMA), inaugurou-se o posto do PTB e a primeira policlínica de Betim, Alcides Braz, que trazia uma nova concepção em saúde pública – o atendimento em especialidades médicas. Também desta época datam os gabinetes odontológicos escolares, abertos com recursos de um convênio com a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE).
Entre 1985 a 1988, foi elaborado o primeiro plano de saúde do município, com um diagnóstico bastante acurado do setor. O plano, denominado Modelo Assistencial para o Município de Betim, detectava a ausência prática de um sistema de saúde capaz de absorver a demanda local. Betim contava então com cinco unidades de saúde mantidas pelo Estado e nove mantidas pelo município, e o plano previa ampliar o sistema para vinte e duas unidades, inclusive com a construção do hospital municipal e a municipalização das unidades do Estado.
A organização sistêmica, que só se efetivaria nos anos 90, já estava delineada neste plano, que previa a especialização de cada unidade em um tipo de atenção à saúde e o funcionamento dos encaminhamentos por referência e contra-referência[5]. Nem tudo o que se vislumbrou no plano foi implementado, mas houve significativo avanço da atenção básica à saúde no município, com a criação de programas de saúde para a mulher, a criança, hipertensos e diabéticos. Houve a implantação de mais três policlínicas e seis postos de saúde.
Ao final dos anos 80, Betim enfrentou uma situação conflituosa no campo da prestação de serviços em saúde: o Hospital N. Sra. do Carmo, fundado por sociedade particular, enfrentava dificuldades financeiras, razão pela qual foi desativado. Houve grande comoção da comunidade, devido à cidade não ter unidade hospitalar. Em novembro de 1989, o hospital foi reativado, com subvenções municipais.  Foi nesse momento que a Prefeitura Municipal começou a negociar o convênio que viabilizaria a construção do primeiro hospital público de Betim. Essa construção começou já no início da década de 90, quando também se construiu a maternidade pública municipal e se negociou com as instâncias estadual e federal para que Betim pudesse assumir a gestão semi-plena de seu sistema de saúde, o que aconteceu em 1993.
Os anos 90 foram o período de implantação e consolidação de um sistema de saúde em Betim. Em 1994, levantamentos diagnósticos apontavam que o princípio da descentralização ainda não havia sido efetivado e que nem os servidores da saúde nem os usuários consideravam o atendimento em saúde satisfatório. A Prefeitura elaborou o Plano Municipal de Saúde para 1995-6, que adota os seguintes princípios orientadores para a saúde municipal: acesso, acolhimento, vínculo[6], autonomia e resolutividade[7]. O principal problema a ser enfrentado era o do relacionamento do profissional de saúde com o usuário em estado de sofrimento.
Houve diagnóstico do perfil da saúde da população betinense. As doenças respiratórias respondiam pela maior parte dos atendimentos na rede pública, decorrência do clima e da poluição atmosférica. Das conclusões gerais desse diagnóstico, decorreu que o governo deveria investir prioritariamente sobre as doenças parasitárias, sobre a hanseníase, a saúde mental e as doenças cardiovasculares – hipertensão à frente. A saúde bucal do betinense também deixava a desejar: de cada usuário atendido pelo sistema, era encontrada uma média de cinco dentes afetados, um índice semelhante ao da população nordestina na mesma época.
O diagnóstico revela que o município já havia atingido uma boa cobertura vacinal; a situação do saneamento básico ainda era crítica: 80% desta contavam com abastecimento de água, mas apenas 29% tinham acesso à rede de esgoto; a coleta de lixo, tanto a domiciliar quanto a de resíduos hospitalares, acontecia três vezes por semana, sendo que 22 bairros não tinham coleta.
A rede física de saúde de Betim foi praticamente toda reformada e construída segundo o padrão das políticas de saúde pública. O atendimento em três níveis (básico, secundário e terciário), sonhado desde meados da década de 80, realizou-se nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nas UAI (Unidades de Atendimento Imediato) e no Hospital Regional e Maternidade Pública Municipal. O atendimento nas especialidades médicas passou a ser feito na Unidade Divino Braga, foram criados os Centros de Referência em Saúde Mental do Centro e do Teresópolis (o primeiro já existia embrionariamente) e o Centro de Referência em Saúde Mental Infantil, além do Centro de Convivência Cazuza, para as DST/Aids.
Foram municipalizadas as unidades de saúde mantidas em Betim pelo Estado, por força do processo de municipalização nacional mesmo, e, em 1998, a Secretaria de Saúde assumiu a gestão plena do sistema de saúde local. Ainda no começo da década, ocorreu o primeiro concurso público na área da saúde em Betim.
Nos anos 2000, o sistema de saúde de Betim tem sido reconhecido com repetidos prêmios extra-municipais. Isso significa que está à frente do que se pratica em muitos municípios do país, mas não que tenha atingido um nível satisfatório de atendimento. Os principais problemas estão em que a procura por serviços públicos de saúde supera em muito a capacidade de absorção do sistema e em que a política de saúde não é assumida política e profissionalmente pela totalidade dos servidores.
Apesar dos problemas, os indicadores da saúde em Betim estão hoje em alto patamar. As condições de saneamento básico, que se refletem diretamente na saúde da população, alcançaram os seguintes índices em 2000: 96,18% da população eram atendidos pela rede de abastecimento hídrico, 69,21% contavam com rede de esgoto e 95,22 eram atendidos pelo serviço de coleta de lixo.
Caiu significativamente a incidência de doenças reversíveis pelo investimento no setor de saúde. A mortalidade geral está em 4,8 pessoas por cada mil nascidas vivas e a mortalidade infantil baixou de 54,3 para 16,6 por mil nascidas vivas em 15 anos. Em 2002, Betim alcançou o índice de 3,01 consultas médicas por habitante/ano, acima do recomendado pelo Ministério da Saúde (2 a 3 consultas por habitante/ano).
A expansão da rede de saúde teve continuidade, paralelamente ao investimento em humanização. Novas unidades de saúde foram implantadas: Centro de Referência em Habilitação “Anderson Gomes de Freitas”; Centro de Convivência “Estação dos Sonhos”, para pacientes da saúde mental; Casa Lar, no Angola, que é um lar abrigado para pacientes aposentados da saúde mental; finalmente, foi inaugurada a nova UBS Teresópolis.


[4] Inaugurado em 1932, o Hospital Dr. Orestes Diniz contava com uma estrutura admirável, devido à atenção dedicada à hanseníase pelas autoridades sanitárias nos anos 30, e ainda em 1988 contava com 56 leitos. Após a desativação da Colônia, o hospital poderia ter sido acionado pela população de Betim, mas o estigma da hanseníase fez com que isso nem fosse considerado pelos cidadãos.
[5] Quando o usuário entrasse em qualquer unidade, esta teria a responsabilidade de encaminhá-lo ao atendimento adequado, quando a necessidade do usuário não fosse da competência da unidade.
[6] Sentir-se ligado ao sistema durante todo o tempo do tratamento, sem precisar demandar acesso em cada instância.

[7] Alta capacidade de resolução do problema de saúde que gerou a demanda.

Transcrição literal de trecho da tese de RODRIGUES, L. L.

De acordo com a servidora aposentada da Secretaria Municipal de Saúde de Betim, Antônia
Adélia Gomes de Freitas, em 1994 e 1998 o município assumiu a gestão semi-plena e plena
do SUS (respectivamente), o que garantiu recursos em contrapartida às responsabilidades
assumidas:

[...] O processo de municipalização do Sistema Municipal de Saúde teve início em
1992, marcado pela assinatura do Termo de Adesão do SUS, com repasse pelo
INAMPS/MS e SES de 4 unidades de Saúde, sendo: Angola, Citrolândia, PTB e
Betim Central, que pertenciam à Secretaria Estadual de Saúde.
Em 1994, a Secretaria Municipal de Saúde assume junto ao Ministério da Saúde a
Gestão Semi-Plena do Sistema Municipal de Saúde, segundo a Norma Operacional
Básica- NOB 01/1993, implantando ações de vigilancia sanitária, epidemiologia,
controle e avaliação e gerência das unidades de saúde.
Em 1998 o município aderiu a Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde,
conforme NOB-SUS/1996. A redefinição do financiamento, ampliando a
transferência de recursos fundo a fundo [...] (Antônia Adélia Gomes de Freitas –
informações concedidas 03/02/2020).

Entre 1993 e os dias de hoje foram disponibilizadas mais de 50 unidades de saúde no
município, das quais mais da metade entre 1993 e 1996. Antes desse período, desde a década
de 1930, quando foi construída a Colônia Santa Izabel, na região de Citrolândia, havia sido
pouco mais de uma dezena de equipamentos colocados em funcionamento, dentre os quais
cabe destacar o antigo Hospital Nossa Senhora do Carmo, equipamento privado, inaugurado
em 1966, na sede tradicional do município. O esforço para implantação e estruturação do SUS
em Betim, a partir de 1992, fez com que fosse criado, em 1996, o Consórcio Intermunicipal
de Saúde do Médio Paraopeba, CISMEP, que inicialmente congregava 10 municípios
vizinhos e hoje soma 43 municípios consorciados, no que passou a ser denominado ICISMEP:
[...] a ICISMEP é mantida com verba do SUS e repasses mensais das prefeituras
consorciadas. Integram o consórcio as cidades de Betim, Bonfim, Bom Despacho,
Brumadinho, Carmópolis de Minas, Cláudio, Conceição do Pará, Contagem,
Crucilândia, Esmeraldas, Estrela do Indaiá, Florestal, Formiga, Ibirité, Igarapé,
Igaratinga, Itabirito, Itaguara, Itatiaiuçu, Itaúna, Juatuba, Lagoa da Prata, Leandro
Ferreira, Mário Campos, Martinho Campos, Mateus Leme, Nova Serrana, Onça do
Pitangui, Ouro Branco, Ouro Preto, Papagaios, Pará de Minas, Pedro Leopoldo,
Pequi, Perdigão, Piedade dos Gerais, Piracema, Pitangui, Rio Manso, São Gonçalo
do Pará, São Joaquim de Bicas, São José da Varginha, São Sebastião do Oeste e
Sarzedo que representam uma população superior a 2,5 milhões de habitantes [...]
(ICISMEP – Internet).


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