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Título de eleitor

Written By Ana Claudia Gomes on sexta-feira, 13 de abril de 2018 | 23:35


Fazer a crítica do voto nas eleições da democracia representativa é quase sempre uma heresia. Afinal, dá-nos um conforto imenso pensar que todo poder emana do povo e a ele cabem as decisões a esse respeito.
Que o povo esteja pouco se lixando para o voto e goste mesmo é do feriado. Que venda seu voto a preço de banana - esteja ela cara ou barata. Que as magras e nanicas elites - no sentido conotativo, perdão - também gostem do voto porque podem comprá-lo e induzi-lo sem serem criticadas. Tudo isso é coisa que só dizem os hereges.
Por isso, a história do Edilson livra a cara de quem quer falar o proibido e incorreto politicamente. As histórias são imbatíveis nesse sentido.
Edilson não parecia nada um transgressor do sistema político mais sedutor e enganador possível. O que, espero, só acontece em locais enganadores por sua própria natureza, já desde o berço esplêndido. Arrumou uma profissão em cujo exercício lidava com políticos em cem por cento dos casos, sendo amigo amado por todos.
Mas não votava em ninguém não. Fizera seu título aos dezoito anos, em cidade da qual logo se mudou. E na cidade onde perpetuou-se cidadão, não era eleitor e jamais foi. Não transferiu seu título e só declarava essa heresia em mesa de bar, com amigos, para o riso gargalhal de todos.
De primeiro, ia aos Correios para justificar. Depois, até isso largou de mão. Curtia inteiramente o feriado de eleições com os amigos, comendo carnes nobres, passeando em belos lugares próximos, dormindo horrores. E quando seu pai lhe pedia votos para si ou para outrem, dava aquela risadinha simpática e prometia transferir o título.
Morreu depois de muito e bem viver, sem jamais votar. Bienalmente, comemorava não ter votado naqueles com quem o povo se decepcionara, e de novo não ia votar. Nenhuma retaliação jamais o atingiu.
Depois de observar o marido durante anos, sua mulher adotou um comportamento próximo. Não votava, ia com ele às carnes nobres, preparadas por churrasqueiros gourmet, e depois pagava irrisória multa. Era de signo terra, não gostava de ser vista com a boca na botija.
Edilson foi muito pranteado ao morrer, e seu velório coalhou de políticos. Sabiam de nada não, os inocentes. Os culpados sabiam e não estavam nem aí.
De forma que um cartazinho apócrifo, espalhado na cidade muito depois da morte de Edilson, ameaçando quem não fizera biometria, me trouxe a grata lembrança de sua pessoa. E um riso gargalhal.
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