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Vista aérea da história de Betim

Written By Ana Claudia Gomes on terça-feira, 4 de janeiro de 2022 | 07:20

 

Centro de Distribuição da Amazon, uma das mais novas grandes empresas de Betim


No princípio era o Verbo... E o Verbo era Deus...

E tudo era sem forma e vazio porque não tinha quem contemplasse a criação e as criaturas e dissesse: que belo! Isso se chama árvore, isso se chama peixe, isso é um canarinho, um tronco de árvore que eu uso como banco, uma flor perfumada...

E aqui nas terras de Betim, ficou assim vazio até 11 mil anos atrás! Foi aí que chegaram da África, depois de atravessarem o Oceano Pacífico em barcos simples, os primeiros humanos. Eles conquistaram aos poucos os terrenos da América do Sul, mas 9 mil anos antes de Cristo nascer já estavam por aqui. Se escavarmos alguns metros abaixo de nossos pés, poderemos encontrar vestígios deles. Foi assim que encontraram o esqueleto chamado Luzia, em Lagoa Santa, e viram que ela tinha traços africanos.

Temos aqui o nosso amigo e cidadão, senhor Geraldo Nogueira, que achou em seus terrenos lá pras bandas do Açude, duas ferramentas de pedra polida desses primeiros humanos. E um arqueólogo achou ali pelas bandas do Partage uma pedrinha lascada, mais antiga ainda, uma ponta de lança. Tudo está no Museu ali da Amazonas com Valadares.

Esses primeiros humanos eram nômades, viviam em famílias de no máximo doze pessoas, dormiam em cavernas, caçavam e colhiam plantas para comer. Mas aos poucos desenvolveram hábitos mais sedentários, tornando-se seminômades.  E aqui no centro do Brasil, incluindo Betim, formou-se um grande grupo de povos chamado Tupi-guarani. Tipo um país, entende? Vários sotaques.

Como viviam em tribos, que eram os povoados-sede de seus territórios, eles eram bastante diferentes entre si. Como todos os humanos, faziam guerras de tempos em tempos, para garantir suas terras e culturas. E quando se encontravam, podia acontecer como se hoje se encontrassem um baiano e um mineiro numa batida de trânsito: Ôxi! Tu tá mistranhano? Dissesse o baiano. Uai, trem, sô! Deixa disso, cumpadi! Dissesse o mineiro. Eram assim iguais, mas diferentes, também os tupi-guarani.

Eram povos da floresta. Abriam clareiras para construir suas aldeias e roças, mas preservavam o restante para coletar alimentos. Quando os alimentos diminuíam, eles mudavam a aldeia de lugar. Como tinham muita terra, isso não era problema. E aqui em Betim, tudo era a belíssima mata Atlântica em sua transição para o Cerrado.

Então ficaram assim mais ou menos de boa até 1600 anos depois que Cristo nasceu. Um dia, ali pelas bandas do riacho Imbiruçu e também do rio Betim, escutaram uma explosão, assim parecida com trovão, e alguns acharam que Deus estava bravo. A palavra Deus em tupi-guarani era Tupã, que significa Trovão. Mas logo ouviram outras explosões vindas de várias direções, não havia nuvens ou sinal de chuva e alguns curumins estavam mortos no chão.

Eram armas de fogo, com munição de pólvora! Os portugueses e seus descendentes paulistas estavam chegando pois procuravam ouro! Já desde essa época os paulistas gostavam das Minas...

Os tupi-guarani não conheciam ouro; parece que não sentiam necessidade de escavar o chão para procurar riquezas, se a tinham tanta sobre o próprio chão. 

Eles faziam joias com sementes, cascas de frutos, fibras naturais e realizavam trocas em espécie, sem mediação de moeda. Comiam bem, eram povos muito belos, usavam diferentes indumentárias, se pintavam, faziam festas e dançavam. Faziam coisas felizes e coisas conflituosas, como todos nós.

Esses portugueses e paulistas foram chamados de bandeirantes, porque seguiam em grupo, com uma bandeira, como se fosse um clube de futebol ou uma folia de reis. Saíam de São Paulo com homens armados e pessoas capazes de encontrar metais e pedras consideradas preciosas pela cultura europeia. Cada bandeira era o equivalente a uma empresa mineradora. Para se apossarem dos caminhos até as minas e as terras das próprias minas, eles matavam ou faziam fugir os povos indígenas.

É importante destacar que também escravizavam muitos e muitas indígenas, até bem recentemente.

Assim, quase desapareceram os povos tupi-guarani. Mas ainda há alguns deles, que a gente possa entender como vestígio vivo da nossa história.

Interessante que até os anos 1800, o Brasil inteiro falava tupi-guarani e é por isso que Betim tem lugares com nomes nessa língua. Tipo Imbiruçu.

Os portugueses e paulistas então fizeram um caminho ligando as minas de Sabará às minas de Pitangui. O caminho passava pelas margens de rios: do rio das Velhas,  seguiam até o ribeirão Arruda; neste seguiam até a nascente do riacho Imbiruçu. Às margens deste, seguiam até o ribeirão Betim. Por suas margens seguiam até o rio Paraobeba. O restante do caminho já é fora de Betim.

Conquistadas as minas, era preciso produzir alimentos para elas. Então começaram a surgir grandes fazendas às margens dos caminhos

Era 1700 depois de Cristo, mais ou menos. Manoel de Borba Gato e Fernão Dias Pais eram grandes chefes de bandeiras que procuravam essas riquezas.

Então o genro de Manoel Borba Gato, Joseph Rodrigues Betim, pediu à rainha Maria I que lhe concedesse umas terras que ficavam entre o ribeirão da Cachoeira e a estrada que levava de Sabará a Pitangui. Essas terras eram logo ali, na altura do Decamão.

A rainha deu as terras, Betim ficou nelas por três anos, para assegurar a posse, e aí todos os bandeirantes já falavam que iam passar ou tinham passado pelo ribeirão do Betim. E esse nome ficou até hoje. Joseph Rodrigues Betim foi embora para Pitangui.

Além do rio Betim, outra referência interessante na velha estrada dos bandeirantes era o Imbiruçu. Ou, como se grafava na época, Imbira-Ussu, que significa, no tupi-guarani, grande embira. Os viajantes lusos as viam de longe e assim não perdiam o caminho que vinha das Abóboras, hoje Contagem, até o riacho Imbiruçu, que seguiam.

Joseph Betim foi embora, mas outros descendentes de portugueses começaram a pedir à rainha terras vizinhas às terras dele, para plantar alimentos e criar o gado que ia abastecer as vilas de mineração. 

Foi assim que se formou um conjunto de sítios e fazendas em Bandeirinhas, e também um arraial. O primeiro povoado de Betim foi em Bandeirinhas. Esse nome era dado a todo lugar que produzia alimentos e prestava serviços para os tropeiros ou bandeirantes que passavam. A Bandeirinha de Betim se chamava Bandeirinha do Paraopeba, porque se desenvolveu nas terras planas e férteis que ficam à margem desse rio, o maior e mais importante de Betim, que atravessa todo o sul do município.

Acontece que o cristianismo católico era a religião dos portugueses e eles não tinham igreja por perto. Tinham que ir ao Curral D'El Rey, hoje Belo Horizonte, para batizar seus filhos, casar, enterrar seus mortos. Era muito longe e tinham que ir a pé ou a cavalo. Daí juntaram assim os dez fazendeiros mais ricos da região e pediram autorização à Igreja para construir uma capela.

Como a Bandeirinha do Paraopeba era um lugar importante já em 1750, a Igreja deu autorização. Os moradores da Bandeirinha olharam em volta e escolheram o lugar mais alto das proximidades, pois queriam dedicar sua capela à Maria do Monte Carmo ou, como eles chamavam, Nossa Senhora do Monte Carmo. E foi assim que eles construíram a capela com seu próprio dinheiro, na atual Praça Miltom Campos. 

Acontece que uma nova capela era um acontecimento para todos os portugueses e seus descendentes em volta. Eles começaram a participar das cerimônias na Capela Nova do Betim. Os mais ricos construíram grandes casas coloniais para participarem das celebrações religiosas com seus familiares. Comerciantes abriram negócios, como vendas e prestação de serviços para os tropeiros. A rainha botou até um juiz de vintena para contar o gado aqui produzido e taxá-lo. 

E Capela Nova do Betim tornou-se o segundo povoado importante na história de Betim, apagando Bandeirinhas para sempre.

Mas Bandeirinhas continua lá, uma grande potência industrial, com a festa católica mais antiga que conhecemos na cidade, a festa à Santa Cruz, porque antes de ter capelas, os católicos construíam cruzeiros para viver sua fé.

Pouco depois da construção da Capela Nova, veio para cá o primeiro português rico, muito rico, que aqui viveu e formou família. Ele se chamava João Nogueira Duarte e era homem da confiança da rainha Maria I. Ela precisava de gente como ele para evitar rebeliões nas minas.

João Nogueira Duarte fundou a Fazenda Serra Negra, onde plantava e criava gado, usando o trabalho escravizado de centenas de afrodescendentes, e ficou conhecido com um dos grandes produtores de alimentos no território da Vila de Sabará, do qual Betim fazia parte.

João Nogueira Duarte e seus filhos, netos e bisnetos foram chefes de Betim durante 150 anos. Eles tinham poder de polícia, de justiça, eram líderes da igreja, escolhiam em quem os outros homens ricos deviam votar para a Câmara de Sabará, enfim. Eles têm muitos descendentes até hoje em Betim. 

Joseph Rodrigues Betim mesmo não tem descendentes aqui.

E foi bem por causa da fazenda Serra Negra e outras importantes fazendas que se formaram no período colonial, que os negros se tornaram a maior parte da população de Betim. Sempre mais da metade. Fazendo todo o trabalho manual. Muitos fugiam, ou eram libertos por comprarem ou receberem alforria, e foram se reunindo nos suaves morros do Angola, onde dava para se esconder, quem era fugido, e estava perto de Capela Nova para trabalhar, quem já era livre.

Esses pretos ralaram, viu, juntaram dinheiro durante cem anos para construir a Capela a Nossa Senhora do Rosário. E o nome Angola ficou porque Angola era a região da África de onde vinha a maior parte deles. Os outros eram de Moçambique. Por isso que no congado existem as Guardas de Moçambique. 

Também era do século XVIII a poderosa Fazenda Fortaleza, do Açude. Havia o açude, que dá nome ao bairro, para abastecer a fazenda. A água do açude era transportada em bicames sobre uma alta muralha de pedras construída pelos escravizados. Essa muralha, que marcava os limites da Fazenda, ainda está lá, e é patrimônio cultural de Betim.

Vamos dar uma paradinha então nos anos 1800 ou século 19. Capela Nova do Betim continuava pertencendo a Sabará, tinha uma população de menos de 10 mil pessoas, a maioria vivendo em grandes fazendas, como Serra Negra, Imbiruçu, Mota, onde hoje está a Colônia Santa Izabel, Mesquita, na região até hoje chamada Charneca, Ponte Nova, pertinho de Vianópolis, Fortaleza, etc. Um vigário da época contou cerca de 50 importantes fazendas em Betim.

E também tinha vários povoados, além da Capela Nova, onde as pessoas faziam comércio, prestação de serviços e festas religiosas com cruzeiros e novas pequenas capelas. Por isso, a Capela Nova se tornou Matriz nesse século. Matriz de Nossa Senhora do Carmo.

Imagina você que Pimentas já tinha escola. Santo Afonso já era o povoado do Buraco. O Bairro Santa Cruz, que hoje chamamos PTB, já tinha gente em torno do Cruzeiro à Santa Cruz. Havia Capelas de São Sebastião em todo o território, porque os trabalhadores rurais tinham grande devoção por esse santo. Não é à toa que temos hoje, tombadas, as Capelas de São Sebastião da Várzea das Flores e do Bairro Amazonas.

O forte da economia era a agricultura, a pecuária e a extração de madeiras de lei. Tinha muito café, grande produção de cana, açúcar e aguardente dos alambiques, algodão, mandioca, milho, feijão, mamona e arroz, além de fumo.

E depois começou também a extração de pedras, argila e areia no Rio Betim e no Riacho das Areias, que por isso tem esse nome, e nas Alterosas. Havia olarias pra todo lado. Também curtumes, para o processamento do couro.

Já no final desse século, passou por aqui o viajante James Wells, pesquisando como poderia ser implantada uma estrada de ferro. Os dias das viagens em lombos de burro estavam contados. Não demorou e chegou o telégrafo, e aí podemos explicar o nome PTB: Posto Telegráfico de Betim. Telégrafo, se você não sabe, era um meio de comunicação anterior ao telefone, pensa bem!

E assim chegamos aos anos 1900, quando nossos avós nasceram, e também nossos pais.

Capela Nova do Betim se tornou distrito de Santa Quitéria em 1901. Hoje Santa Quitéria se chama Esmeraldas.

A escravidão africana fora abolida, depois de muita luta, e começaram a chegar novos trabalhadores, quase escravos também: italianos, alemães, japoneses, chineses e franceses. A maioria deles foi empregada na agropecuária.

Em 1910, foi inaugurada a estrada de ferro, mais ou menos seguindo os mesmos caminhos dos Bandeirantes: do Imbiruçu para o Rio Betim e daí na direção de Mateus Leme.

Isso mudou a cara da cidade. Tudo começou a crescer em volta das estações de trem: a Parada da Onça, o Imbiruçu, o PTB, as Alterosas, as margens do rio Betim, surgiu Vianópolis e o bicho pegou. Betim foi ficando maior que Santa Quitéria.

A Fazenda do Mota foi desapropriada para a construção da Colônia Santa Izabel em 1920, onde foram presas milhares de pessoas atingidas pela hanseníase. Só aí, a população de Betim cresceu em milhares de pessoas, pois também os parentes das pessoas internadas vinham para as redondezas.

A antiga Matriz do Carmo, uma igreja grande, em estilo colonial, ficou de costas para a Estação Férrea, onde a cidade fervilhava. Deu 50 anos, foi necessário construir outra Matriz. A antiga foi demolida, que pena, senão hoje teríamos uma igreja com ouro por dentro para visitar e receber turistas.

Capela Nova do Betim se emancipou de Santa Quitéria em 1938, tornando-se o Município de Betim. Já tinha usina hidrelétrica, logo começou a encanar água, diminuindo a utilização das antigas bicas, como a Bica da Cacimba. Tinha a pedreira, e tem até hoje. Dessa região saiu a pedra para fazer o pirulito da Praça Sete em BH. 

As olarias viraram indústrias, a Cerâmica Saffran, do alemães e a Cerâmica Minas Gerais, ambas na Brasileia. E aí começou a chegar muita gente de outros municípios mineiros.

O bicho pegou mesmo foi quando os governos resolveram implantar aqui a Refinaria Gabriel Passos, da Petrobrás. A Petrobrás era uma das empresas mais amadas do Brasil, pergunte aos seus avós. Eles participaram da campanha O Petróleo é Nosso.

Foi construída a rodovia Fernão Dias, em homenagem ao antigo bandeirante, justamente para escoar a produção dessas novas grandes empresas. Não demorou veio a Fiat Automóveis nos anos 1970 e Betim tornou-se um polo industrial. O número de imigrantes europeus, principalmente italianos, aumentou muito.

100 mil, 200 mil, 300 mil, 400 mil habitantes. Gente para trabalhar na indústria, no comércio, nos serviços, atender BH... Formaram-se grandes comunidades pobres que buscavam esses postos de trabalho. Mas sempre foi assim aqui em Betim, só não era grande desse jeito.

Nos anos 2000, somos uma cidade muito rica. Segunda ou terceira de Minas, que é um dos mais ricos estados do Brasil. Mesmo os nossos pobres não são tão pobres como os do norte e nordeste do país.

Além de sermos um polo industrial, agora também somos um polo de serviços pois trabalhamos na distribuição do que aqui é fabricado.

Nosso grande desafio é ser mais do que uma cidade trabalhadora, ser também uma cidade com qualidade de vida para sua população. Nas últimas décadas, foram conquistadas escolas para todos, unidades de saúde, algumas praças e áreas de lazer e esportes, parques ecológicos e centros culturais.

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