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Josephina Bento da Costa, uma biografia alternativa

Written By Ana Claudia Gomes on segunda-feira, 28 de maio de 2018 | 08:48



Filha da lavadeira Raimunda Petrina da Costa e órfã de pai, que perdeu na época do seu nascimento, Josephina Bento da Costa nasceu na cidade de Ouro Preto em 21 de março de 1903, ano repleto de incertezas para os ouropretanos devido à mudança da sede do governo para a cidade de Belo Horizonte. Após Josephina, Raimunda Petrina teve outro filho, que faleceu recém-nascido.
De família pobre, precisou abrir mão das brincadeiras de criança para ajudar a mãe e a avó que lavavam roupas para sobreviver. Entretanto, recebeu o incentivo da mãe para estudar e lia bastante na infância, livros variados, quase sempre emprestados.
Quando ainda frequentava o Grupo Escolar, tendo como Professora D. Maria Esterlina, o então diretor da Escola Normal, Alfredo Teixeira Baeta Neves, foi visitar o Grupo juntamente com as normalistas que ali concluíam sua formação, desenvolvendo práticas de ensino.
Josephina foi erguida por uma das normalistas, talvez como maneira de indicar uma boa aluna. Baeta Neves então perguntou se Josephina iria continuar os estudos, pois então estava na 4ª série. D. Maria Esterlina respondeu que, sendo sua mãe lavadeira, seria difícil manter seus estudos. Então Baeta Neves prometeu que, às alunas que obtivessem boas notas, ele concederia bolsa de estudos para freqüentar a Escola Normal. Josephina obteve, naquele ano, distinção em sua turma; assim, tornou-se beneficiária da bolsa. Para tanto, precisou prestar Exame de Admissão, prática naquela época.
Na adolescência, trabalhou para custear seus estudos. Atuante nos movimentos comunitários e católica, começou questionar a forma pela qual a avó dirigia a casa.
Com a morte da avó, tornou-se mais ativa nos movimentos comunitários, e conheceu José Teotônio, seu primeiro namorado. Apaixonou-se por ele, mas o namoro foi proibido pela mãe por razões desconhecidas. Josephina acatou os desejos da mãe.
Aos 17 anos sofreu uma paralisia facial, fato que, mesmo deformando seus lábios, não a impediu de seguir seu sonho de exercer o magistério, profissão prestigiada na época e uma das poucas acessíveis a mulheres. Obteve o título da Escola Normal em 1922. Trabalhou como professora pela primeira vez aos 19 anos, quando acontecia no Brasil a revolucionária “Semana de Arte Moderna”, lecionando pouco tempo em sua cidade natal, em escola anexa ao Asilo Santo Antônio.
Com o mercado de magistério saturado na cidade de Ouro Preto, que fora a capital de Minas e detinha uma concentração de instituições e serviços, Josephina voltou a lavar roupas com sua mãe porque resistia a sair de Ouro Preto. Após quatro anos nesta situação, e tendo conhecimento de experiências de outras normalistas fora de sua terra natal, obtém novamente a colaboração de seu amigo Baeta Neves, então senador, sendo designada pelo Estado para lecionar no 2º Distrito de Santa Quitéria – atual Betim, na região de Vianópolis. Sua designação ocorreu por meio de decreto assinado pelo então Governador Fernando de Mello Vianna, o qual diz: “O Presidente do Estado de Minas Gerais resolve nomear a normalista D. Josephina Bento da Costa professora da Escola Mista do distrito de Betim, município de Santa Quitéria. Palácio da Presidência, Bello Horizonte, 5 de fevereiro de 1926”.
Escola mista era, naquele momento, um tipo ainda incomum de instituição escolar, pois reunia para o ensino crianças de ambos os sexos. A tradição era de classes separadas por sexo.
Fernando Mello Vianna tinha fortes relações políticas na região da atual Vianópolis, que recebeu este nome em homenagem ao Governador, assim como a Estação Ferroviária local, denominada Mello Vianna. Assim, é possível que a nomeação de Josephina fizesse parte de um conjunto de ações de Mello Vianna para atender à comunidade local com serviços diversos.
Josephina Bento mudou-se para o distrito de Capela Nova do Betim em 12 de abril de 1926, junto a sua mãe, lecionando no bairro Santo Afonso de 1926 a 1929. Ao iniciar-se na nova escola, levou oito meses para receber o primeiro salário (praxe no serviço público estadual até muito recentemente).
Inexperiente ainda, viu-se diante de uma escola com 81 alunos. A organização dos estudantes por série ainda não estava universalizada, acontecendo apenas nos grupos escolares. A professora ou o professor titular de uma “escola isolada”, como a de Santo Afonso era responsável por todos os alunos. O termo “escola isolada” era oficial e os professores estavam secularmente acostumados a lidar com os diversos níveis de aprendizado dos estudantes. As escolas normais faziam justamente parte de uma reforma educacional que pretendia enturmar os estudantes por nível ou série e universalizar os grupos escolares (reunião de escolas isoladas).
O número de alunos não era propriamente assustador pois a infrequência era muito grande; os estudantes precisavam geralmente caminhar longas distâncias até a escola e, em regiões rurais como era Santo Afonso, interrompiam frequentemente os estudos para ajudar as famílias nos ciclos agropecuários.
A precariedade material era também uma constante e Josephina Bento não podia contar nem mesmo com um quadro negro. A sala era composta por mesa de jantar e dez bancos, segundo depoimento da professora em 1995. Por outro lado, a escola tinha anexa uma casa para a professora, visto que geralmente as normalistas vinham de centros urbanos para atuar em escolas como esta.
Graças à interferência do então vereador José do Pinho, Josephina passou a trabalhar dois turnos na escola, dividindo as crianças por série, e ainda a escola recebeu carteiras.
Para se locomover de Santo Afonso a Belo Horizonte, o que D. Josephina precisava fazer com frequência, devido às suas atribuições funcionais, ela pegava a jardineira que vinha da sede de Santa Quitéria até os Moreiras (atual Vianópolis), onde ficava a estação ferroviária. Ali, pegava o trem até Capela Nova, onde dormia. No dia seguinte, pegava o trem conhecido como “subúrbio”, passava o dia em Belo Horizonte, voltava à noite, dormia em Capela Nova para, apenas no dia seguinte, voltar a Santo Afonso.
A antiga casa das professoras, à qual Josephina se referiu em seu depoimento como “muito boa”, ainda se encontra no local, em ruínas, e a antiga escola foi sucessivamente reformada e hoje é a Escola Municipal Prefeito Alcides Brás.
De 1929 a 1957, a professora lecionou no Grupo Escolar Conselheiro Afonso Pena chegando a substituir a diretora Ana Fernandes. Josephina Bento se aposentou ao final de 1957, fato que não a impediu de continuar seu trabalho em favor das crianças, pois passou a trabalhar no Grupo Escolar Clóvis Salgado, então sediado à Rua do Rosário, no bairro Angola, em belo prédio modernista dos tempos JK, em frente à Praça São Cristóvão.
Ainda durante o trabalho no Grupo Escolar, Josephina, alegre e grande dançarina, frequentou bailes e cantigas de roda. Nesta época, conheceu Antônio Gonçalves de Diniz, com quem manteve um relacionamento por dez anos, e, por este ser um rapaz jovem e ciumento, rompeu o namoro.
Em entrevista de 1995, Josephina diz que não casou por não ter achado noivo. Depois diz também que temia ter que deixar sua mãe e “acompanhar marido”, inclusive pensando na hipótese de o casamento não dar certo. Tudo indica que foi protelando a relação por considerá-la uma ameaça à sua soberania. Seu conflito em relação ao relacionamento era tão intenso que, para preservar sua privacidade, confessava-se em Belo Horizonte.
Após uma saída para visitar uma amiga, foi advertida pelo namorado, e aí se convenceu de que assumir o relacionamento seria aceitar limites à sua liberdade. "Não quero que me prendam, sou dona de mim mesma!" (França, 2009, p. 20).
Em 24 de setembro de 1936, perdeu sua mãe, então com apenas 55 anos, por problemas cardíacos. Confusa, considerou a hipótese de ingressar num convento e dedicar-se à vida religiosa, pois ainda não havia esquecido seu grande amor, José Teotônio, tendo constatado que este havia se casado. Mas preferiu permanecer em Betim e dedicar-se aos afazeres político-comunitários.
Após o falecimento de sua mãe, viveu com outras moças em uma casa do centro da cidade; conflitos entre as demais moradoras desta casa e seu já longo relacionamento com a família de Divino Braga fizeram com que se mudasse para a casa onde este vivia com sua esposa Luíza Maria da Glória. Depois do falecimento de ambos, residiu com dois filhos do casal, Eli Geraldo Braga e Mário Lúcio Braga, e depois com Eunice Braga. No seio desta família, era conhecida como “madrinha Didi”
Josephina exerceu decisiva influência na comunidade através de uma participação operosa e permanente em obras sociais, comunitárias e sobretudo religiosas. Serviu aos mais diversos setores da vida católica de Betim, ajudando no catecismo, fazendo parte das Filhas de Maria e do Apostolado da Oração, do coral, da Liga Eleitoral Católica, dentre outros. França (2009) registra que também coordenou a Sociedade São Vicente de Paula (p. 19).
Militante assídua do PSD, acompanhou os políticos da cidade e atuou em grupos ligados à Igreja Católica. França (2009) diz que “Josephina tornou-se aos poucos conhecida e querida por todos, fruto principalmente de seu carisma e jeito dócil, o que a tornou disputada por políticos que viam nela uma importantíssima aliada” (p. 20). Alinhou-se politicamente aos líderes da família Braga, citando principalmente Divino Ferreira Braga. Tinha como companheiras outras mulheres atuantes na política, Concórdia, Ana e Augusta, citadas em seu depoimento de 1995. Quando as mulheres obtiveram o direito de votar, “nós saíamos com tinteiro, pena, papel almaço e andávamos por todo lado, fazendo as eleitoras”.
O momento de maior emoção: "Quando deram meu nome à Caixa Escola do Grupo Escolar "Clóvis Salgado", não aguentei segurar as lágrimas... chorei com grande alegria."
Em 28 de maio de 1987, inaugura-se na cidade de Betim a Casa da Cultura Josephina Bento. Idealizador do espaço cultural, o ex-prefeito Newton Amaral, responsável pela desapropriação do antigo casarão na Praça Milton Campos, teve seu sonho concretizado pelo  então prefeito Tarcísio Braga, o qual promoveu a restauração do antigo casarão e o inaugurou.
A Casa da Cultura, importante ícone da cidade, homenageou através de seu nome Josephina Bento, respeitada principalmente pela importância de seu trabalho como educadora.
Na inauguração da Casa da Cultura Josephina Bento, houve a participação do congado, com as guardas de moçambique, congo e catupé da cidade, apresentação do Coral Tangarás de Santa Isabel e show com o conjunto Modullum. O evento contou com o apoio da Guarda Mirim de Betim, do Grupo de Escoteiros Olave Saint Clair e da Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo. Raphael Martins, secretário de Educação no período de inauguração, apresentou a nova bandeira e brasão do município, explicando seus significados à população. Também o hino de Betim foi apresentado, cantado por alunos da Escola Municipal Antônio D’Assis Martins, sob a orientação do secretário do Trabalho e Ação Social, Ítalo Tonon.
Em seu discurso pela inauguração, Josephina Bento falou da emoção, do orgulho e da gratidão pela homenagem e, mais que isso, da alegria de ver as sementes frutificarem: “Esse é um dos mais belos momentos de minha vida e uma gratidão infinita toma conta do meu coração. Que a Virgem do Carmo derrame bênçãos sobre a Casa da Cultura, para que ela cumpra seu papel” (Discurso de Josephina Bento na inauguração da Casa da Cultura em 28 de Maio de 1987).
Josephina ressaltou ainda a relevância da criação de centros culturais como este: “A Casa da Cultura assume, a partir de hoje, esse compromisso com todo o povo de Betim: preservar os valores culturais da terra, de nossa gente boa. Pois, cultura não é apenas efeito de instrução... mas de formação, de criação, de preservação de valores que iluminam a consciência social de um povo.”
Ainda a Câmara Municipal de Betim criou a Medalha Josephina Bento, concedida anualmente a pessoas que se destacam em diversas áreas.
Em 1994, por ocasião de seu aniversário, afirmou: “Meus 91 anos foram bem vividos. Sinto-me feliz, mas limitada! Tive uma vida ativa, não fui uma mulher vaidosa, não usava pintura, e apesar de todo sofrimento e preconceitos, sinto-me realizada. Tive muitos pretendentes, não me casei por que minha liberdade estava acima de tudo. Acho que, para a minha época, fui uma mulher que rompeu preconceitos e cumpriu o papel de cidadã. Estou indignada pelo desrespeito aos professores quanto ao salário que não dá para sobreviver" (França, 2009, p. 22). Foi nessa época que, segundo França (2009), contraiu o mal de Alzheimer e diabetes, tendo sua face paralisada.
Devido à sua hiperglicemia, perdeu a circulação sangüínea das pernas e ficou 2 anos acamada antes de falecer, aos 94 anos de idade em 28 de março de 1997, e seu corpo foi velado no dia 29 de março na Casa da Cultura que leva seu nome. Sepultada no cemitério Nossa Senhora do Carmo, sua missa de sétimo dia foi realizada na Matriz de Nossa Senhora do Carmo, no dia 04 de abril de 1997, às 19 horas.
A biografia de Josephina Bento está por ser interpretada com as perguntas do presente, os conceitos e o instrumental da historiografia contemporânea. Questões como o fato de ser mulher negra, de ter resistido ao casamento por fidelidade ao primeiro amor e por desejo de preservar sua liberdade; como sua atuação nas fileiras católicas, inclusive no polêmico grupo das Filhas de Maria; como sua militância e influência política. Tudo isso deve ser questionado para além dos dados levantados nesta oportunidade.


Com Adriana das Graças de Araújo Lisboa

Referências

CARVALHO, Paulo José de. Projeto Cururu Indelével, a nossa história! Betim. Lei de Incentivo à Cultura Noemi Gontijo. Betim. 2007. p.368.
FONSECA, Geraldo. Origens da Nova Força de Minas. Betim. Sua História. 1711/1975. Betim: Prefeitura Municipal, 1975. 404p.
Diário da Tarde – 10 de junho de 1987.
Edição Especial Aconteceu na Região – Junho de 1991 – P. 04.
Em Dia com a Notícia – Um Jornal Inteligente – 1989 - P. 04
Estado de Minas – 9 de junho de 1987.
Jornal Contagem – 09 a 10 e junho de 1987
Jornal de Betim – 15 de Maio de 1987.
Jornal dos Mineiros Julho de 1984 – Pag. 04.
Jornal O Tempo – Betim 6 a 12 de Junho de 1986
Jornal O Tempo – Betim 04 a 10 de abril de 1997.
MUSEU PAULO ARAÚJO MOREIRA GONTIJO. Entrevista Josephina Bento (1995).
FRANÇA, Júlio. Personagens em prol de Betim. Biografias. Betim: s/e, 2009.
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