Monumento ao templo barroco setecentista
Fonte: www.guiadoturismo.com.br
Acesso em 13/12/23
É aniversário de emancipação da cidade de Betim, em Minas Gerais, mais uma vez. Escolhi abordar um aspecto de sua trajetória observável há pelo menos quatro décadas, que é a ascensão dos trabalhos de memória na cidade. Essa ascensão ganha força imediatamente quando a cidade começa a se urbanizar rapidamente e a sofrer uma desintegração de suas sociabilidades tradicionais. Não vejo isso como nenhum mal, especialmente porque as gestões municipal, estadual e federal planejaram tais mudanças, em pleno processo de êxodo rural induzido, e porque a cidade ganhou em diversidade social.
A produção de memória também vem sendo induzida nas últimas décadas em todo o mundo por agências como a UNESCO e o Banco Mundial. Andreas Huyssen, por exemplo, em sua obra "Seduzidos pela memória", aborda essa questão mostrando como a memória é vista como antídoto para as desagregações sociais da contemporaneidade, tornando-se mercadoria, e o quanto essa perspectiva é tanto extensa quanto frágil.
Em Betim, vemos como o poder público municipal, obedecendo a legislação estadual, vem patrimonializando lugares, edificações, artefatos e manifestações culturais. As restaurações do mais antigo casarão colonial e de um templo católico nos anos 80 foram o marco inaugural desse processo. A Prefeitura também tem patrocinado livros, exposições, espetáculos e filmes, dentre outras manifestações de memória.
A imprensa frequentemente recorre à memória para explicar fenômenos atuais e marca datas comemorativas da cidade.
Enfim, é amplo o espectro da produção de memória na cidade.
Decidi citar amigos e conhecidos que dedicam muito de seu tempo, inclusive voluntariamente, a produzir memórias em Betim. O risco dessa iniciativa é esquecer alguém, mas esta obra é editável, então sempre se pode corrigir. Lembro de Adriana Lisboa, André Bueno, Aparecida Ambrósio, Charles Moraes de Lima, Closé Limongi, Consolação Rezende, Cordovil Souza, o Vila, Denise Lara Damasceno Rezende, Eduardo Amaral, Gilberto Santos, Elizabete Martins Campos, Hélio Dutra, Jaime Thalles Vieira, Júlio França, Lessandro Lessa, Manoel Nascimento Nunes, Nelson Flores, Otília Sales, Paulinho de Carvalho, Terezinha Assis e Rosilei Coleta. A memória da cidade também já foi escrita por pesquisadores de economia, educação, antropologia, sociologia e arquitetura e urbanismo, acadêmicos, consultores contratados, dentre outros.
Também tenho observado a emergência de páginas na internet sobre memória da cidade, inclusive de bairros como o Jardim Teresópolis, o Jardim das Alterosas e o Angola. Há também páginas de fotos antigas. Nelas, a participação popular é muito importante.
De minha parte, eu me preocupo com a inauguração de estudos históricos com rigor metodológico sobre a cidade. Isso ainda não existe, pois todos os historiadores atuantes na cidade, entre os quais me incluo, são, a rigor, leigos e autodidatas. Isso porque não têm feito história segundo as novas abordagens historiográficas, que incluem novos objetos, metodologias e fontes. Além de não buscarem orientação em academias de história efetivamente dedicadas à pesquisa no âmbito dessa disciplina.
Em geral, nós, estudiosos da memória em Betim, somos tributários da única pesquisa de arquivos já realizada para a cidade, por um historiador autodidata, Geraldo Fonseca. Seu trabalho, patrocinado pela Prefeitura, fez lastro, e todos nós nos dedicamos a extensas narrativas das "origens" da cidade no século XVIII. Esquecemos os povos indígenas e afrodescendentes, além das classes trabalhadoras e culturas populares, privilegiamos a história dos "colonizadores" europeus, utilizamos relatos orais como fontes de informações e não de "produção" social e individual de memórias, em que entra a ficção, a construção a posteriori, dentre outros aspectos.
Por tudo isso, eu e as parceiras Adriana Lisboa e Otília Sales estamos buscando parcerias com universidades e outras academias dedicadas à pesquisa historiográfica, a fim de beber nessas fontes e modificar nosso próprio olhar sobre as memórias em Betim. Nessa perspectiva, temos a comemorar uma parceria com o Instituto Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - IFMG Campus Betim, que mantém um Núcleo de História Oral interessado na memória de Betim. O NHO tem um recorte de pesquisa que se chama Mundos do Trabalho. Vê-se nesse recorte a busca de estudar algo que chama pouca atenção dos memorialistas da cidade.
Nosso último trabalho, meu, de Adriana Lisboa e de Otília Sales, sobre as regionais Imbiruçu e Teresópolis, ainda bastante "tradicionais", apesar de tomarem como objeto de estudo lugares e populações que pouco interessaram aos memorialistas até hoje, acabou ensejando uma parceria com o NHO/IFMG.
Conversas informais que tivemos com sujeitos de memória naquelas regionais foram acolhidas pelo Núcleo e dois dos nossos entrevistados concederam entrevistas públicas, com a metodologia da História Oral, para grande público discente do IFMG. Ambos os entrevistados são trabalhadores nas regionais e podem testemunhar sobre mundos do trabalho.
Nossa expectativa é continuar a parceria para escrever e publicar sobre memória de Betim com o aval de academias de história. Por enquanto, nosso presente para a cidade neste aniversário é que nossas entrevistas estão hospedadas no sítio eletrônico do IFMG, para estarem disponíveis para quaisquer pesquisadores.
De qualquer forma, estimo todas as iniciativas memorialísticas porque elas também são produções que podem ensejar a reflexão no campo da história. E porque a cidade fica feliz com memórias e as demanda.
Acho mesmo que nossos memorialistas bem poderiam fundar uma confraria para trocar experiências e realizar trabalhos conjuntos.
A produção de memórias na cidade precisa ser mais crítica e mais comprometida com toda a sua população e não apenas com antiguidades.
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