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Um elefante incomoda muita gente

Written By Ana Claudia Gomes on terça-feira, 2 de agosto de 2016 | 13:28

Éramos universitários num rincão do país. No pulmão.
Em nomeada transição de governos militares para a sonhada democracia. Essa em que todos os que detêm o poder só o devem deter enquanto quiser o povo. E que permanece em discussão.
Achávamos por influência de uma certa tradição ocidental. Que o melhor meio de escolher governantes. Era pelo voto direto no máximo possível de cargos investidos de poder.
Éramos utópicos como tínhamos mesmo de ser. A utopia como sabemos é a imaginação de um mundo melhor. Imagina se os jovens não puderem imaginar um mundo melhor.
O Presidente eleito pelo Congresso Nacional. Pois não eram eleições gerais diretas. Morrera. E seu vice governava. 
Queríamos escolher o reitor da nossa universidade pois isso significava eleger quem sobre nós exerceria poder. Só que não. Deram-nos uma lista enorme de candidatos. Dela sairia uma lista sêxtupla entre os mais votados. 
Havendo tamanha pulverização de candidatos era previsível. Cada um deles receberia muito poucos votos. Éramos poucos cursos poucas turmas. O Presidente escolheu o sexto entre os nossos escolhidos. Pouco representativo. Resolvemos ocupar a sede da universidade.
Eclodiu sob a égide do jovem Centro Acadêmico. Quiçá depois Diretório Acadêmico. Uma espécie de manifestações sobre democracia nas universidades. 
Tinha leitura  e projeção. Debate. Performance recitação música.
O filme Je vous salue, Marie foi projetado no corredor central do prédio antigo. Corredor largo. Tábuas corridas rústicas. Colunas generosas de cada lado. Em alusão à tradição clássica. Escadarias, uma beleza. 
Era uma máquina excêntrica, a de projeção. Que lançava sua luz sobre um lençol. Mas o filme estava proibido. Por que estaria proibido aos jovens brasileiros se os jovens europeus chegaram a fazê-lo.
E por isso nas escolas onde os estudantes já protagonizam ações de expressão juvenil. É que a gente pode avistar os horizontes da liberdade.
Um colega iniciou uma greve de fome. E nela permaneceu por mais de quarenta dias. Valente moço. 
Não conseguiu o seu intento. Aprendi que em greve de fome, você pode e deve ingerir água e até água de coco. Você aumenta sua sobrevida e continua expressando a sua mensagem ao mundo.
Cantávamos no gramado da universidade quando soubemos que o povo do Direito não estava conosco paralisado. Ausente das salas de aula. Ficamos amotinados.
Mas eu especialmente fiquei decepcionada. É que eu amo o Direito. E todo saber sobre o que estamos inventando ser humano.
Mas naquele tempo. Jovens. Fortes. Com ideias sobre renovação no mundo. Concatenamos uma manifestação nas portas das salas do Direito. Que era assim.
Um elefante incomoda muita gente. Dois elefantes incomodam incomodam muito mais.
Gosto de cantar toda. É como um mantra que me conecta a meus antigos companheiros. Até hoje gente que agita meu coração.
Mas basta dizer que íamos cantando até vinte e cinco elefantes. Imagina o incômodo. 
Mas o povo do Direito nem aí. Firmou pé no que acreditava. Curioso que mais tarde aprendi em ciência política. Que o poder judiciário não se deve politizar. Assim como outros corpos de necessária alta profissionalização. Se quisermos que funcione uma democracia.
Terminou tudo. A turma do deixa-disso fez encerrar a greve de fome do nosso camarada. Reconheço também o valor de quem sabe recuar.
Ficou o sexto-reitor mesmo. Mas quem nos levará a voz da nossa cantora: voa... voa azulão... 
E quem nos tirará o nosso próprio canto junto à fogueirinha de papel. Nosso próprio canto.
Muito menos esquecerei que muitas vezes depois votei para reitor. A conquista veio ainda que tardia.
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