Divulgação do filme A língua das mariposas
Bom dia a você que ensina profissionalmente ou não. Que bom que hoje é sábado. Dia de apreciar a obra da criação. Dia de sentir o perfume dos ipês. Nome que deu à vida um mestre não-profissional amigo meu.
Que bom que é feriado para os professores profissionais. Eles muito merecem descansar, contemplar, amar.
Quero fazer referência ao tema da aposentadoria dos professores profissionais. Tema árido em nossos dias. Nele resvalou a jornalista Myriam Leitão recentemente. Dizendo que professores nunca deveriam se aposentar. Pois melhoram com o tempo.
Eu também acredito que melhoram com o tempo. Ensinar é um saber da experiência.
Esqueçamos desde já o salário de Myriam Leitão. Evocá-lo não é argumento contra sua fala.
Reflitamos sobre se é possível alguém como essa nobre senhora desfrutar de alguma liberdade de pensamento e expressão. Tendo o tempo por seu capataz.
Um tempo provavelmente cronometrado em milésimos de segundos. Inimigo do espírito e do raciocínio. Triturador da poesia. Repetidor do senso comum.
Parto assim da fala decepada de Myriam Leitão. Há um tipo de professor que realmente melhora com o tempo. Aquele que conserva o sentido do que ensina. Esse tipo de professor nunca deixa de ensinar.
Ensinar é algo fundamental e prazeroso. Todos que sabem algo desejam compartilhar. Acham até que ensinar é uma questão de vida ou morte. No que devem ter toda a razão. A sobrevivência do homo sapiens depende de legar aos jovens aquilo que sabe.
Uma vez formalmente aposentado esse professor pode até migrar da física para as orquídeas. Ele será remunerado até seu último dia de atividade para ensinar o cultivo. O emergente cultivo das plantas. Que está no currículo das sociedades contemporâneas.
Ele poderá ensinar até pela rede social.
É diferente de um soldador industrial que, aposentado, não mais dispõe dos meios de produção. Terá que reinventar seu trabalho durante a aposentadoria. Para estar vivo.
Enquanto há vida há trabalho. Não se pode nem se deseja fugir. Todos desejam ter função para o dia. Até o último dia.
Já a aposentadoria o quanto antes é um justo desejo dos que trabalham no tempo de Myriam Leitão. O tempo partido até as raias do absurdo. O tempo senhor da servidão.
Assim se retorna aos professores profissionais. Pois hoje é dia a eles dedicado no Brasil.
Deve haver muitos deles quiçá submetidos pelo tempo do dinheiro. Quem sabe esquecidos de que gostam de ensinar.
Mas a maioria dos que conheço gosta radicalmente da substância do que faz. E deseja se aposentar para sair das fábricas. Das quais trata o album The Wall dos legendários Pink Floyd. E certamente continuar ensinando. Agora com mais tempo para sentir o perfume dos ipês. Para sorver a vida.
O que dá aos professores profissionais o direito de se aposentar é o regime de trabalho que afasta do ensino a vida. Isto é, seu alimento.
Privados da vida durante até três jornadas diárias em espaços desumanizados. Onde não se pode recriar nem de longe o ensino peripatético. Muitos professores vão sendo privados até mesmo de saber. Ficam reduzidos a um tipo de violência semelhante à perpetrada por Myriam Leitão.
Do que desejam se aposentar os professores é do trabalho alienado. Conceito divulgado pelo magistral Karl Marx cujos ensinamentos sucedem a sua morte por séculos. Pois tematizou a vida em seu tempo. Do qual ainda participamos.
A aposentadoria existe como antes a alforria. Um horizonte que permite sonhar a superação do trabalho triste. Feito não para produzir a vida. Mas para produzir excedentes sem parar. Para produzir lixo. Para destruir o perfume dos ipês.
Sendo assim, desejo a aposentadoria até para Myriam Leitão. Mas hoje, especialmente, para os professores. Para que recuperem o quanto antes o gosto de ensinar.
Homenageio aqui uma colega recém-aposentada que luta para voltar a ensinar sem o tempo das fábricas. Uma professora experiente, que sabe ensinar a ler.
Deixo aos colegas professores a recomendação de dois filmes. Que recebi de colegas professoras quando estavam ensinando prazerosamente. Fora do horário de trabalho. Foram para mim presentes. Que o sejam também para vocês.
O argentino El empleo. Que relembra a substância do trabalho alienado. Que avisa sobre o absurdo de tornar coisas os homens capazes de ensinar. E de repente aprender.
E o espanhol La lengua de las mariposas. Em que um velho professor mantém o gosto por ensinar rompendo os limites espaciais e temporais das escolas.
Estas que tentam encapsular o saber, ao invés de jogar no colo da vida aprendizes e ensinantes.
Por uma sociedade sem escolas.
El empleo (Argentina, 2008, Santiago Bou Grasso). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=cxUuU1jwMgM
A língua das mariposas (Espanha, 1999, José Luís Cuerda). Disponível em sítios eletrônicos especializados em cinema.
Fonte da imagem: http://www.cinemarden.com.br/2014/10/a-lingua-das-mariposas.html
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