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O voto e os vendilhões do templo

Written By Ana Claudia Gomes on sábado, 1 de outubro de 2016 | 09:33

Jesus expulsa mercadores. Monastério de São Jerônimimo. Granada. Espanha.

Saio às ruas em vésperas do pleito para sentir o clima. O meu clima está frio, gelado. Meus olhos vêem o sol de outubro e adivinham seu calor.
Eu tive um sonho e nele me aparecia Hitler com sua antipática máxima. Eleições não escolhem os melhores líderes. Um pesadelo.
Eu chorara pelas diretas. Fizera vistas grossas ao passado de Tancredo. Lamentara sua diverticulite. Palavra trágica.
Venho de um tempo em que o voto era a festa.
Hoje as ruas estão tristes. Um candidato sensível passa com o som baixo. A porta-bandeira não se enfeitou. As bandeiras tremulam em lento tédio. O bêbado anuncia que votará cedo. Para ter o dia livre.
Os carros passam e me parece que só um em cada vinte ou trinta expressou interesse na escolha dos governantes através do para-brisa.
Ouço histórias do norte, onde milhões em espécie farão uma prefeita. Seria isso uma conquista do feminismo?
Uns poucos conseguiram expressar novas políticas em nossas eleições. Os que estampam no corpo suas bandeiras. Mas talvez o poder de estado reduza suas potências expressivas.
Imaginei-me num antiquíssimo templo judaico. Onde Saramago vira a venda de animais para o sacrifício da expiação. Onde Jesus expulsara a chicote os vendilhões do templo.
Que tempo é este onde nada mais é sagrado. Exceto a próxima, espetacular e profana compra.
São vésperas. Quem nos dera o milagre da extinção dos vendilhões dos nossos sonhos. 
Nem o branco. Nem o nulo. Nem a abstenção. Nada de novo no front. Estamos em trincheiras deixando marcas rupestres nas paredes.
Ainda bem que a política tem por definição a potência do novo.
O voto, reduzido à universalização da forma mercadoria, tem aparência de velho. Produz bastante lixo.
Unanimidades burras nascem do caos, sob o signo dos marketeiros.
Não me sinto diferente. Nasci numa multidão de narcisos cujo espelho é pequeno e retangular. Não há horizonte. Nada além do próprio rosto ao melhor ângulo.
Vésperas são sempre assim. Esperas. Sombras.
Deixemos brilhar o sol. Quando se perde toda a fé, alguém precisa reinventar.
Algo está gestando o ventre da Terra. Enquanto isso, segue em luto nossa sonhada democracia.

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