Quando a gente é professora, muito da nossa relação cotidiana com estudantes é mediado pelos aspectos próprios da profissão. Nisso não quero muito me estender, mas apenas dizer que lidamos com muitas pessoas de uma vez e por isso a poesia própria de cada alma pode nos passar despercebida. Há os que entre nós não vão além do número da chamada. Aprender os nomes de todos não é tarefa fácil. E no geral nos atemos àquilo que é próprio da vida escolar, aos cadernos, aos deveres, às provas, ao comportamento ou disciplina.
Com Diogo foi diferente. Não por mim propriamente. Mas por ele. Muitos estudantes são capazes eles mesmos de romper os liames da massificação e se fazerem únicos para nós.
Diogo logo achou o caminho das pedras até mim. O brilho no olhar. O que é para mim a primeira qualidade em um estudante. A bússola. Penso que o olho brilha quando há gosto e emoção, quando há empatia, quando há compreensão.
Um dos nossos ossos do ofício é dizer continuamente que a quadradeza da educação deve ser enfrentada para a garantia de um futuro melhor. Não sei se isso moveu Diogo. Mas eu o via sempre trabalhando na construção de uma ponte entre sua cultura na comunidade e a cultura escolar. E, dependendo do caso, essa ponte precisa ser construída sobre um abismo.
O sorriso dos olhos se derramava para todo o rosto enquanto acompanhava as coisas curriculares que somos dados a fazer. Levantava da mesa para socorrer os colegas, ajudar, emprestar, ensinar. Era sempre visto nos grupos para jogar bola, rir, divertir-se.
Sua vida foi interrompida na adolescência por um mal súbito e para nós imprevisível. O depoimento dos colegas de muitos anos letivos é inequívoco.
E para além dos anos letivos, quanto terá encantado Diogo. Da timidez expressiva, da beleza negra, dessa sabedoria que alguns aprendem jovens, que é misturar-se e ser com os outros. Sem muita pretensão. Que é bobagem ter.
De forma que, para ele, de nada adiantaram essas promessas de futuro que professores fazem. Sobre ter uma profissão ou uma vida mais confortável um dia. Qual o quê. Feliz do Diogo que viveu cada dia o melhor que pôde. Feliz de mim que temperei minhas aulas com o olhar do Diogo.
Existe um povo desses que chamamos indígenas, para o qual uma pessoa existe enquanto é lembrado seu nome. De minha parte, Diogo fica lembrado. E como se viu, não por sua genialidade, que a tinha; não por ter dado trabalhos, o que não deu. Por ser gente. Gente é diferente. Cada uma é uma.
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