Bicha hétero

Written By Ana Claudia Gomes on domingo, 30 de julho de 2017 | 22:12


Agora sabemos que há essa moda de taxar as pessoas segundo seu modo de viver o gênero. Uma guerra fria de palavras que qualquer hora dessas arranja um desastre nuclear. Não pode ser sapata, tem que ser lésbica. Se eu não já estiver ultrapassada. Não pode ser homossexualismo, tem que ser homossexualidade. E parece que a sigla LGBT já ganhou mais letras. Depois de ter havido a briga vitoriosa de colocar as lésbicas em primeiro lugar. Porque são mulheres e gays, assim duplamente oprimidas.
Eu de minha parte sou mais a pesquisadora que, em entrevista de tevê, encarou um jornalista-fichinha, desses que felizmente não são todos. O sujeito teve a cara-dura de perguntar à pesquisadora, se diante da multiplicação de denominações de gênero, ela arriscava dizer quantos gêneros já temos. E a pesquisadora, que deve ser muito inteligente, fez cara humilde e ingênua, e tascou: acho que devemos ter uns sete bilhões de gêneros diferentes na Terra.
Mas, enquanto isso, e já na esteira de que tantos serão os gêneros quanto forem as pessoas, conheci um capeta-em-forma-de-guri. Que, bem pode imaginar você, ilustre visitante de reflexão, não tinha chifrinhos nem rabo com seta na ponta. Era, isso sim, uma bela pessoa que adotava hábitos de homens e de mulheres. Tipo barba, cabelos longos, unhas pintadas e corpo musculoso. E que me disse conhecer um tipo de expressão de gênero que se chama bicha-hétero.
Não pude evitar de rachar os bicos. Mas devo me desculpar. Porque ele foi caracterizando, sabe. Assim de uma maneira bem bicha. Falou só dos homens. Mas depois pode-se refletir como seria uma mulher hétero-sapata. Ops, termo errado.
Segundo o capeta, o bicha-hétero costuma ser um comedor inveterado porque quem gosta de comer está sempre mastigando. Imagina. Gaba-se de suas performances eróticas e pode até ser bem machista. Mas dá aquela quebra-de-mão para explicar aquilo que sabe muito bem. Dá pitis escandalosos por qualquer crítica. Pode ser sucessivamente engraçado, irônico e amargo. Isto é, como lhe é de direito, expressa as emoções com gestos ora performáticos.
Jamais admitiria trocar carinhos com os homens, pelo menos não explicitamente. Entretanto, se a gente escuta os relatos das travestis prostitutas, logo vê que as máscaras caem. Requebra femininamente e fala prendendo ésses, mas a gente sabe que sua esposa está muito satisfeita no casamento.
Bichas-héteros preferem ficar noventa por cento do tempo com homens: boteco, futebol, filosofia, qualquer coisa mais ou menos vedada às mulheres. Cultiva muitas e boas vaidadezinhas cosméticas. Inclusive essa manifestação capitalista aí, o renascimento das barbearias, agora gourmet. Não tenha dúvida. Devem rolar bichas-hétero nelas. Assim como variadas outras expressões de gênero. Um outro tipo de lugar para frequência masculina, all right? 
Tem muito pouca mulher com barba. O sangue lusitano não foi tão forte assim. Elas frequentam clínicas de estética para eliminar as barbas. O que pode perfeitamente mudar. Não tem umas mulheres deixando as axilas in natura?
Uma parte das bichas-hétero pode estar migrando para a gastronomia, graças a Deus. É que tá difícil aguentar a comida de algumas esposas que trabalham fora. Isso quando elas admitem cozinhar, as atrevidas. O que evidentemente não significa que todo cozinheiro seja uma bicha-hétero. Na verdade, os cozinheiros são milagres ambulantes sobre a Terra.
Enfim, para melhor caraterização desse perfil de gênero, só o ilustre visitante passando a contar, em seu acervo teórico, com o conceito de bicha-hétero. E por isso aqui registro mais essa contribuição do capeta.
Lembrando que essas coisas só são didáticas e nunca encontraremos alguém que se ajuste perfeitamente a um estereótipo. Entretanto, todavia, contudo, por enquanto o conceito de bicha-hétero pode ajudar a causa do feminismo.
Como sabemos, o bom feminismo não acha acha graça nenhuma no empoderamento feminino se ele estiver associado à humilhação dos homens. Sete bilhões de gêneros, sete bilhões de liberdades. E viva as bichas-hétero.
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1 comentários :

  1. Adorei o nome e também a crônica..
    Muitas pérolas no texto.. Mas adorei a citação "Devemos ter uns sete bilhões de gêneros diferentes na Terra" (quem é a pesquisadora?) e essa sua constatação maravilhosa "Os cozinheiros são milagres ambulantes sobre a Terra"

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