Outro feminismo

Written By Ana Claudia Gomes on sexta-feira, 25 de novembro de 2016 | 07:39

Telma Andréa é dessas amigas de adolescência que tenho o privilégio de cultivar até hoje. Não nos vemos há décadas. Felizmente há redes e aplicativos.
Sempre foi a caixinha de Pandora em pessoa. Antes dos vinte anos passou em concurso público federal. Mó grana. Status também. Ficamos todas babando.
Dois anos depois anunciou no bar, na maior naturalidade. Ia embora para Maceió vender água de coco. Ninguém acreditou. Ela era a senhora das pegadinhas. Mas tá lá até hoje, belo bronzeado, sorrisão na foto de perfil e tudo o mais.
Sempre uma feminista radical. Falou pro próprio pai que pretendia iniciar a vida sexual. Não tava nem aí pr'esse papo de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Chamava a polícia mesmo a qualquer sinal de tabefes dos maridos nas vizinhas.
Tempos atrás fiz contato e perguntei as novidades. Você sabe, minha vida não carece de novidades. Ela riu. Mas a maior da semana é que vendi meu carro. O que? Embasbaquei. Aquela quatro por quatro do barulho que te levava pra explorar o mundo? Qual você comprou agora?
Não comprei. Não vou comprar. Silêncio do lado de cá. Ah, nunca gostei de dirigir mesmo. Só tive carro pra manter minha independência feminista. Mas sempre oferecia o volante pra qualquer um e não foram poucos os acidentes e as multas. Imposto alto. Oficina mecânica, Deus me livre. Odiava ficar ouvindo vários minutos qual era o defeito do carro. Embora oficina seja um celeiro de gatos né. Os caras falavam até babar e eu ficava olhando era a mala.
Eu não acreditei mesmo. Mas Telma. Você ralou anos pra tirar o diabo da carteira de motorista. Ao que ela disparou mais um petardo. Não tirei. Comprei. Essa gente de trânsito é uma máfia.
Daí perguntei como ela estava fazendo com a mobilidade, ela riu gostosamente. Ih m'nha fia. Não me falta carona, ônibus, van, bicicleta e o excelente sp2. Táxi também é um celeiro de gatos. Substituí as oficinas mecânicas. E posso beber até a tampa.
Fiquei pensando naquilo, experimentei a transição e copiei a Telma. Aliás, não foi a primeira vez.
Mas outro dia olhei a rede social. Ela tinha mudado a foto de perfil. A camiseta era transparente, dava bem pra ver um sutiã de bojo. Com rendinha nas alcinhas. Dei zoom, fiquei olhando boquiaberta pra ter certeza. Liguei pra ela. Você agora está usando sutiã? Quê que tem, m'nha fia. Feminista também aprecia ser chamada de gostosa. Vai ver você não sabe que eu também botei silicone né.
A leitora me desculpe o mineirês. A Telma fala mesmo é alagoano. Mas eu tô passada. E não sei o dialeto.
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