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Professora transparente

Written By Ana Claudia Gomes on sexta-feira, 25 de novembro de 2016 | 10:19

Rogério era um menino do olhão curioso. Verde escurão. Levantava a mão para ajudar em tudo. Para responder tudo. Para ler tudo.
Era começar a aula, a Professora anunciava o trabalho do dia. E às vezes dividia o quadro-negro em dois. Escrevendo com giz um texto de sua lavra.
Rogério dizia com seu vozeirão já de homem. Embora quase criança. Ansioso. Corpulento. Professora me dá licença pra eu copiar.
A Professora se virava. Rogério. Ainda não temos professores transparentes. Enquanto eu começo a escrever o texto. Você faz margem no seu caderno. É importante para quem está aprendendo a arte da escrita. Você sabe que antigamente quem sabia escrever formava uma classe privilegiada na sociedade. Os escribas. Vamos dizer assim.
O texto que a pessoa vai ler precisa estar legível. Com a data. À caneta para durar mais. Você vai precisar estudar esse texto para a prova. Então enquanto eu escrevo deste lado do quadro. Você prepara tudo. Quando eu passar para o outro lado do quadro é que você vai copiar o primeiro lado.
E eu vou olhar o seu caderno. Durante o trimestre. Os cadernos que eu mais gostar de ler. Ganharão uns mimos que eu comprarei com meu décimo terceiro. Gosto de dar lembranças a moças e rapazes que me dão alegria como vocês.
Eu sentava do lado do Rogério. Sempre fiz questão. O menino parecia o brilho do sol. Meio ruivo.
O caderno era impossível de ler. Mas o garoto deitou os cabelos em aprender a escrever legível. Adotou um letrão tipo imprensa. Escrevia em forte tinha preta. Fazia resposta a lápis com cada maestria. E a margem. A data. Algum desenho.
Claro que ganhou mimos da Professora na época do Natal. Mas todos nós sabíamos que o importante mesmo. Era quando a Professora dizia. Vejam quando eu perguntei sobre esse assunto. O Rogério me deu essa linda resposta. E citava a linda resposta. Maria Luíza quase me fez chorar com a sua paródia. De tanto ver o brilho dessa moça. A monitoria de Catarine é perfeita. Marquinho eu quase morro para ler essa letra microscópica dele. Preciso de lupa. E um pouquinho de adivinhação. Mas as ideias desse Marquinho. Caramba. E ainda faz a limpeza da sala. Ajuda os colegas atrasados. Faz bagunça. É uma praga.
Nós sabíamos que a Professora gostava que cada um tivesse o seu caderno como um diário. Cuidadosamente elaborado. Com nossas palavras. Ela elogiava se a gente escrevia versos de Poesia. Ou se a gente escrevia Deus é Fiel. Com todo o capricho do mundo.
E a gente ficou orgulhoso demais da nossa turma. A professora disse que em todos os anos da carreira dela. Foi a melhor turma que ela teve. Todos nós ganhávamos elogios. Mas a gente ralava. Pra escrever com nossas palavras.
Em nossa formatura ela já não era nossa Professora. Mas a convidamos para discursar. Ela foi contando com suas palavras. As coisas lindas que a gente fez em quatro anos de escola. As paródias. As peças de teatro. Os painéis sobre arte indígena. As composições sobre uma tarde de cigarras. A excursão à mata com uma exposição da poesia de Carlos Drummond. As olimpíadas da matemática. Parece que a Professora acompanhava tudo que a gente fez de legal depois de aprendermos a escrever com ela.
Foi citando nossos nomes. Em ordem alfabética. E falando de nossas melhores qualidades. Nossos pais quase nem respiravam durante o discurso. Eles se levantaram e aplaudiram a Professora por vários minutos. Depois de quase duas horas de uma narração. Um conto de nossas vidas estudantis.
O regente do coral dedicou a canção Aleluia de Haendel. Claro à Professora. Assim representando todos nós. Alguns choraram. Os olhos esmeralda de Rogério tinham uma vermelhidão em torno. Fizemos fila para abraçá-la.
E ainda tinha uma constelação de Professor para abraçarmos já com saudade.
A saudade é uma espécie de velhice. Velhice boa.
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