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Maria e a avaliação da educação no Brasil

Written By Ana Claudia Gomes on terça-feira, 13 de setembro de 2016 | 17:14


Dilma Rousseff fala à Assembleia Geral da ONU em 2014

Assisti recentemente ao último discurso da ex-Presidenta do Brasil, Dilma Roussef, às nações unidas. Já estávamos em plena crise institucional, mas uma declaração específica desta admirável senhora me pegou de sopetão. Ela disse às nações unidas que não concordava com a avaliação feita sobre a educação no Brasil.
Estimo saber o gentil leitor que as nações unidas estabelecem parâmetros para a avaliação da educação no mundo inteiro.
As nações unidas são mais propriamente as nações endinheiradas e poderosas. Nem todas as nações do mundo estão nessa organização. Mas ela avalia a educação em muitas nações.
No Brasil, avalia.
E então determina se as nações endinheiradas e poderosas poderão emprestar dinheiro às demais nações. E se concederão outros benefícios ou procederão a sanções.
Para conceder benefícios, as nações unidas querem saber se as outras nações estão seguindo seus parâmetros. Muitos desses parâmetros realmente ajudam a proporcionar aos humanos condições melhores para viver. Muitos outros se referem a que todas as nações preparem seus cidadãos para operar o sistema vulgarmente chamado capitalista. Talvez melhor chamado sociedade de consumo.
Há quem defenda não ser esse sistema o único possível. Não me cabe aqui entrar no mérito da questão.
O que quero dizer é que os parâmetros das nações unidas muitas vezes podem ser incapazes de medir o que está fazendo a educação de um país em prol do interesse local.
Há os interesses mundiais. Operar o sistema é um deles.
Mas há os interesses locais. E nesses, a educação brasileira caminhou muito nos últimos tempos.
Não me refiro a estatísticas. Refiro-me a ser testemunha ocular do que acontece num rincão de cidade metropolitana do Brasil, onde, se não me engano, as estatísticas apontam índices alarmantes em educação. Essas estatísticas normalmente estão referidas aos parâmetros das nações unidas.
De forma que muitas conquistas da educação brasileira têm sido tão sutis, que não cabem nas estatísticas. Especialmente quando os números são baseados em provas escritas.
Eu não acredito muito em provas. Quero esclarecer ao gentil leitor.
Penso que provas são convenções e ajudam a montar um simulacro chamado meritocracia. Até mesmo alguns dos recentemente empoderados juristas concordam que a meritocracia é outra convenção.
Nós, os humanos, concordamos em medir forças entre nós, para obter certos lugares no sistema, através de provas. E, nas escolas, devemos aprender a fazer provas, para participar dessa convenção.
Creio que é melhor do que medirmos forças através da luta-livre.
Mas é difícil adotar esses procedimentos padronizados e universalizantes para avaliar o desenvolvimento das pessoas durante sua educação. Por isso, avaliações mais qualitativas talvez devam ser constantemente levadas em conta pelas nações unidas.
Acredito que contar um caso vá ajudar a compreender melhor o que desejo dizer. Histórias são mais ou menos como músicas. Podem ser entendidas em todas as nações.
É que tenho encontrado regularmente algumas moças e alguns rapazes que farão decair as estatísticas do Brasil em educação. Se considerados os parâmetros das nações unidas. E desejo defender a educação brasileira.
Maria, nome fictício, não saberá fazer as provas inspiradas nos parâmetros das nações unidas. Ela poderá colar. Mas geralmente seus colegas também não tiram notas altas nessas provas.
De qualquer maneira, quando ela entrou na escola, não falava com ninguém. E aprendeu a desenhar uma bela letra. Mas permanecia na concha.
Com os passar dos anos, ela ficou para trás no desenvolvimento acadêmico. E permanecia na concha.
De repente, já uma moça, ela desabrochou para a alegria. Foi assim, num átimo. Negra, bem acima do peso esquelético, distante dos demais padrões de beleza, sempre só, ela participou de umas zoações em sala de aula. Em minhas conversas com ela, soube que tem amigas leais, que está meio apaixonada por um garoto, e que a coisa mais legal que ela fez este ano foi bagunçar em sala de aula.
Leu com fluência e orgulho. Ninguém diria que ela não faz as provas das nações unidas.
Não desenha mais uma bela letra. Está procurando a sua letra. Uma que não seja igual à de ninguém.
Assiste novela e ouve funk. Falou da música com um certo medo de que eu a repreendesse. Riu gostosamente e disse que também gosta de sertanejo.
Desde conhecê-la melhor, sempre nos cumprimentamos no pátio ou no corredor. Ela está sempre acompanhada, olhos brilhantes, riso escancarado, nem aí.
Há algum tempo, eu pronunciei sua nota diante de toda a classe. Finda a aula, todos tendo ido, ela se achegou. Desviou o olhar de minha figura e perguntou incrédula. Professora, eu peguei média. Interrogação.
Sim, Maria. Para o Brasil, você pegou média. Você está sobrevivendo feliz no mundo. Está acompanhada, atrai pessoas em volta, não parece acanhada por sua cor de pele, lê, escreve, tem acesso à cultura possível em sua condição social.
Lamento dizer às nações unidas. Vocês não têm enunciados para avaliar o que para o Brasil representa Maria.

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