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Garota fio dental

Written By Ana Claudia Gomes on sábado, 31 de dezembro de 2016 | 12:20

Para escrever um conto assim erótico, quiçá pornográfico, talvez seja útil um longo preâmbulo. Para meu perdão. So let's go.
Dentre os privilégios pelos quais sou grata nesta vida está o de ter feito parte de classes escolares antológicas. Dessas que algum professor mais amoroso diz ser a melhor de toda a sua carreira.
Assim foi Letrazum. Primeiro período de Letras. Ainda no seminário de abertura dissemos das quantas éramos. Professor reclamou, já apaixonado: era para discutir alterações na Língua Portuguesa e virou um Show de Calouros. E que show! No Tribunal Faz-de-Contas. Já se viu. Éramos profetas. E as outras turmas de Letras tu é doido? Um ciúme só.
Azar. Até hoje somos Letrazum. E embora a maioria tenha cumprido todos os períodos e já haja até pós-doutora. Temos sala virtual e encontros ao vivo. Temos memórias e sonhos. Cruzamos os ares do país para nos vermos.
Não sei o que houve no vestibular. Talvez a Copeve quisesse selecionar uma trupe. O que assim foi. Tinha poeta, dramaturgo, orador, atriz, cantora, diva, humorista, figurinista, musa, violonista, tinha o diabo a quatro. De modo que a cúpula lá resolveu fazer uns trocados nos intervalos para os happy hours ao pôr-do-sol no Madeira.
Todo intervalo tinha show. Esquetes do impagável Francisco Fields e até vaudeville. Super-produção sim, por que não. Uma broadway na Amazônia. Até o jardineiro fazia número musical.
Fio-dental era uma invenção recente. Acho que brasileira. Para escândalo de toda gente que deseja e joga embaixo do tapete.
De modo que se espalharam uns cartazes pelos corredores da universidade. Letrazum apresenta: Garota fio-dental. E era cada beldade galera. Deu fila pra comprar ingresso a preço simbólico. Sabíamos que aquela tarde ficaríamos ricos.
Nem todos conheciam o roteiro da apresentação. Alguns de nós tentávamos acomodar o público, multiplicar os assentos conforme a chegada dos ingressos.
Então vieram as musas Letrazum, aquela cabelada indígena, uns acessórios de penas, perfeitamente vestidas e usando nos dentes, como manda o figurino, o maledeto fio-dental.
Quase veio a lona abaixo. E era um teto neoclássico muito sólido. Correria, rebelião. Como num incêndio de boate, a prioridade era dar fuga às musas.
Queriam o dinheiro de volta. Mas depois reconheceram nossa lealdade. Não fazíamos propaganda enganosa. E as musas... Quem viu viverá.

(Em muitas mãos e vozes com Letrazum).
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